Uma pessoa que pensa as coisas sem considerar
as realidades em derredor e nem assimila o tempo em suas temperaturas ou o
vento em suas velocidades, subestimando os outros e ignorando os fatos, não
está nada bem.
A psiquiatria considera gente assim como
doente.
Chama-se autismo essa polarização privilegiada
do mundo dos pensamentos, das representações e sentimentos pessoais, com perda,
em maior ou menor grau, da relação com os dados e exigências do mundo
circundante.
Não é o caso do sonhador, aquele que até se
embebeda com tantas idéias e não sossega, sonhando acordado, lutando sempre até
contagiar com o seu sonho outros sonhadores.
O sonhador pode até mostrar-se em atitudes
desafinadas, não importa, ele é diferente, luta por um sonho diferente, não
pode é se desviar, não pode é tirar do foco o seu sonho.
Também não é o caso do ficcionista que
inventa mundos, cria personagens, dando-lhes nomes, feições e espaços para as
suas ações, tudo imaginário, mas com fortes cores de verossimilhança.
Ninguém se interessará pelos sonhos do
sonhador ou pelos mundos tirados da imaginação dos ficcionistas se os sonhos ou
os mundos, por mais fantásticos que pareçam, não contiverem um mínimo de
lógica.
Deve ser horrível a pessoa querer alcançar um
sonho nobre e lúcido, desses que de tão difíceis, mas necessários, nem sempre
estão aí para serem sonhados, e o sonhador convencido que o realizará não poder
batalhar seu sonho porque está sempre acuado e vencido pelas pessoas mais
próximas do seu derredor.
Nessa longa estrada da vida, cruzei com um
sonhador que, embora soubesse arrastar os outros para as batalhas do
seu sonho, era muito hábil ao ficar depois com as coisas sonhadas, tudo só para
ele e para os seus.
Os que caíram nas armadilhas dos seus
discursos logo se descobriram vítimas de um grande estelionatário da boa fé.
Ficcionista ou sonhador, ou os dois ao mesmo
tempo, ninguém vai alem do primeiro impulso se não tiver consigo infinitas
reservas de liberdade.
O cerco do mundo pessoal circundante,
cobrando agendas de sobrevivência a qualquer custo, só frustra.
Uma pessoa frustrada porque não lhe deixam
incursionar pelos mundos da sua ficção ou dos seus sonhos pode se tornar muito
perigosa, especialmente se a obrigam a se manter ocupada com outras coisas das
quais já prefere manter distancia.
Há, por exemplo, os que têm uma habilidade
incrível para alcançar o poder e mais ainda para depois se manter no poder por
tempo indeterminado.
Poder na Republica por tempo indeterminado é
negação da República. Poder por muito tempo, assim sem previsão para acabar,
como nas vitaliciedades sonâmbulas, deve ser algo muito entediante.
De tanta liturgia repetida em exercícios de
discursos vazios, a pessoa parece chegar a um ponto em que não sabe fazer mais
nada. Seus reflexos vão se condicionando a fatos programados, estritamente
vinculados à gastança do tempo em função do nada.
O que temos lido nas ruas e ladeiras são mais
que angústias deixadas pelo passado sessentão, o que temos visto são mais que
sobrados quase desabando dos seus abandonos, o que temos ouvido nestas noites
são mais que os tambores do congo gemendo e catando as dores que hão de se multiplica
até se transformarem em redenção definitiva.
O que temos lido nas expressões das pessoas e
ouvido de seus sussurros escapados é mais que uma indignação. É uma vontade
coletiva de escorraçar e tirar do ar de uma a vez por todas o que ainda resta
da ladainha dessa gente estúpida e cruel.
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