Por Edson Vidigal
A ursa
maior da noite começa a derramar trevas trazendo noite a Moscou. É quando as
avenidas se esvaziando do rush de fins de tarde aos poucos parecem acolher
silêncios, mas qual nada, o sossego é aparente.
Nessas
avenidas um tanto compridas, que nem se imagina onde irão terminar, não há
faixas especiais para pedestres. Há passagens subterrâneas.
A
noite vai se firmando em penumbras e os automóveis com seus motores e
escapamentos assustadores em seus tons diversos transmudam as avenidas em
autopistas.
Num
degrau um pouco acima do chão da escadaria de onde é possível avistar iluminado
Teatro Bolshoi, um homem exibe medalhas antigas numa toalha. A entonação da sua
voz é mais de pedinte que de vendedor.
Que
histórias estão ali condensadas? Quais feitos patrióticos? Quais serviços
prestados ao Estado soviético? Aquelas medalhas, e não são tantas, estamparam
orgulhos, estufaram egos de quantos camaradas? Ou aquelas sínteses, reflexos de
bons feitos, seriam pedaços da vida daquele homem?
A
idade que o homem das medalhas aparentava e o seu ar sofrido realçando lhe a
barba descuidada, branca à lá Dostoiévski, faziam-lhe parecer algum rascunho de
alguém saído de alguma trama, talvez do romance de Tolstói - Guerra e Paz.
Algum
veterano, mas de qual guerra? O certo mesmo é que tendo sido as medalhas
conferidas ou não a ele, a única razão de estar ali aquele homem e suas poucas
medalhas, se resume a uma condição de extrema necessidade.
Se ele
era um mendigo, sob o manto invisível da noite, foi o único que vi em Moscou
nesta temporada. O que não posso dizer quanto a putas. Nossa mãe, como
despontavam óbvias nas lanchonetes dos calçadões ou em desfiles tão ululantes
pelas entranhas dos hotéis. Sem abordagens constrangedoras como as de Las
Vegas.
Cercado
por grades de ferro, o Bolshoi é mantido a longa distância de quem passa. Nesta
noite Putin está lá com os Presidentes da França e da Croácia, que assistirão
amanhã a finalíssima da Copa do Mundo entre as seleções de seus países. Câmeras
de TV são mantidas do lado de fora.
Nas
avenidas de menor movimento, a liberdade se espraia pelas calçadas ou lá dentro
dos inferninhos entre copos e bocas, amassos e beijos.
A
juventude russa em Moscou tem seus carrões - BMW, Mercedes, Toyota, Honda,
símbolos do capitalismo chegante mais fáceis de identificar.
Sabe o
Lada, aquele automóvel que por algum tempo fez brilhar os olhares coçando os
bolsos da esquerda brasileira? O Fernando Henrique, então Ministro da Fazenda
do Itamar, tinha um, cor vermelha, em Brasília, na garagem da SQS 309, a quadra
dos Senadores.
Embalado
pelos ótimos ventos do Plano Real, que ele coordenara à frente da mais
brilhante equipe econômica jamais recrutada, o Fernando, já àquele tempo
começando a ser o FHC, saiu candidato a Presidente da República para suceder ao
Itamar. Ganhou do Lula logo no primeiro turno.
Fora
do Ministério e decidido a não usar, enquanto candidato, carro oficial, foi à
garagem pegar o seu Lada, o carro russo, vermelho. Chave no contato,
ió-ió-ió... E nada do Lada pegar. Ió-ió-ió, nada. O homem queria começar sua
arrancada para a Presidência dirigindo o seu Lada. Saiu da garagem empurrado.
La fora, pegou no tranco. Que nem banda de rock.
A Lada
russa agora reduziu a sua produção em 44%. Está difícil para o urso competir
com o touro de Wall Street. Estou sabendo agora que a Renault, em sua montadora
de Curitiba, vai lançar no mercado brasileiro, a preço camarada, o Lada
clássico em seu modelo soviético.
Ah,
quanto às medalhas, as condecorações do antigo império soviético, agora se pode
comprá-las no grau que se quiser no Mercado Livre, pela internet.
(Edson Vidigal, Advogado, foi
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal)