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Dona
Nazaré Rodrigues faria 95 anos nesta sexta-feira(18/02/2022). (Foto: Arquivo de
Célia Rodrigues) |
95 Anos de Dona
Nazaré
Artigo escrito em
2017 pelo engenheiro Chico Leitoa em homenagem à memória de sua mãe Dona Nazaré Rodrigues, que faria 95 anos
na última sexta-feira, 18/02/2022.
Nazaré
tinha uma história muito peculiar. Sua mãe, segundo dizem, uma preta bonita
ainda jovem foi trazida do povoado Chapadinha, (hoje anexado a zona urbana de
Teresina, através da Santa Maria da Codipe), para trabalhar como doméstica na
casa dos patrões. Chapadinha era propriedade da família Castelo Branco,
uma das mais ilustres e abastadas do Estado do Piauí. Pois bem, Francisca caiu
nos encantos de um dos membros da família e engravidou. Imediatamente a
devolveram para Chapadinha. No ventre, uma filha que viria a ser batizada
com o nome de Nazaré. Todos os membros da família de Francisca eram e são de
cor preta. Nazaré nasceu branca como sāo seus parentes sanguíneos paternos,
como se diz: pra tirar a māe da culpa.
Francisca
veio a casar-se com Honório Eduardo das Neves, que criou Nazaré como se fosse
sua filha (mas não registrou) e tiveram outros cinco filhos e filhas (todos
de cor preta).
Nazaré
foi portanto criada praticamente confinada em Chapadinha e nunca estudou,
sequer aprendeu ler ou escrever.
Ainda
muito nova, conheceu Estevam, um lavrador galanteador que morava do outro lado
do rio Parnaíba, no povoado São Gonçalo, do lado maranhense, que atravessou o
rio e conquistou seu coração jovem, com quem começou a namorar. Namoro ia
firme, mas Estevam, mulherengo, arrumou uma outra namorada em São Gonçalo (de
nome Francisca), com quem se casou. Do casamento nasceram cinco filhos e
filhas: João, Maria do Carmo, Luciano, Teresinha e Francisca.
O
casamento durou dez anos, e Francisca (esposa de Estevam) veio a falecer.
Nazaré
sempre em sua vida pacata, estava prestes a casar-se quando Estêvam, viúvo,
dez anos mais velho e cheio de filhos pequenos, apareceu novamente e
com seus encantos, convenceu Nazaré a casar-se com ele. Coisas do destino e do
amor.
Estevam
e Nazaré tiveram seis filhos: Eu, Célia, Alberto, Estevinho, Socorro e Orcélia.
Nazaré portanto, criou e ajudou na criação de 11 crianças. Nos 12
primeiros anos em São Gonçalo, numa vida dura cuidando da casa com tanta gente,
e depois, outros 10 anos na zona urbana, quando o casal resolveu se deslocar
para que pudéssemos dar sequência aos estudos. Implantaram 18 canteiros
suspensos no quintal de nossa casa na beira da linha férrea que nos
entregaram para cuidarmos puxando água de um poço cacimbão. Meu pai foi
vender numa pequena quitanda na Av. Maranhão com Rua Lisandro Nogueira e dona
Nazaré colocou uma banca para venda de verduras no mercado central em Teresina,
onde sempre que possível eu a ajudava.
NAZARÉ,
algum tempo depois começou a se queixar de dor de cabeça, sua saúde foi se
debilitando e se agravando de médico em médico, de hospital em hospital, veio a
falecer aos 47 anos.
Sempre
tive curiosidade pois no meu registro de nascimento não consta o nome do meu
avô paterno. Minha mãe nunca permitiu falar no assunto. Os outros membros da
família também sempre se recusaram a tratar da questão.
Na
beira da linha, conheci dona Rosa, uma preta que lavava roupa para os “bacanas”
em Teresina. Soube de minha curiosidade, sobre meu misterioso avô paterno, e me
falou que sabia parte da história, alcançada através de convivência em tarefas
caseiras, na casa de um dos Castelo Branco. Contou-me o que sabia (ou o que
podia). Conversei superficialmente com uma tia e guardei mais algumas informações.
Depois
de muitas batalhas e já formado em Engenharia, no final da década de
oitenta, já ensaiando a entrada na disputa política, fui dar uma
entrevista na TV clube. Terminada a entrevista, fiz algo que havia
decidido depois das investigações. Atravessei a Av. Valter Alencar e entrei
naquela casa em frente, que tem dois leões no muro tomado por um
sentimento de muita curiosidade. Fui recebido pelo dono da casa, um senhor
simpático, pelas informações se tratava do Médico Dr. Mariano Castelo Branco.
Ele estava sentado na varanda e tinha assistido a entrevista. Depois da
apresentação conversamos por alguns minutos. E veio o momento: Perguntei àquele
senhor se ele se lembrava de Nazaré, egressa de Chapadinha, e que por um tempo
foi vendedora de verdura no mercado central. Ele imediatamente lembrou. Aí eu
falei: sou filho dela. Ele tomou um susto e acrescentou que na verdade quem
conhecia Nazaré era uma irmã sua (Bizinha, se não me engano), que morava na
ladeira do Uruguai. Falei que queria apenas saber das minhas origens. Mas
o Doutor interrompeu a conversa e fui embora. Parece que ele julgou que eu
estivesse atrás de algo, talvez de interesse material, coisa que nunca nos
moveu. Queria apenas checar as coisas e, se possível, conviver. Mas apesar do
desapontamento, confesso que vi naquele homem os "traços" de minha mãe.
Passados
alguns anos, eu estava no primeiro mandato de prefeito de Timon e fui convidado
para uma festa de lançamento de um jornal numa casa de eventos em Teresina.
Muita gente, inclusive o Reitor da UFPI, Dr. Anfrísio Neto (Anfrísio Lobão
Castelo Branco Neto), que na arrumação da festa, acabamos ficando na mesma
mesa. Falei que tinha sido, durante sete anos, aluno da Escola Industrial e
Escola Técnica Federal (depois Cefet e hoje IFIP) e que tinha à época
assistido a uma palestra proferida por ele ainda muito jovem, que versava sobre
Jornada Problemática da Juventude. Ele claro, achou interessante eu guardar
detalhes. Em seguida, numa agradável conversa e depois de alguns goles de
whisk, falei sobre a Chapadinha e perguntei se por acaso ele já tinha ouvido
falar em uma pessoa de nome Nazaré, que seria filha de um dos membros de sua
família com uma preta chamada Francisca. Ele não lembrava direito, mas deu a
entender que sabia algo e levou na esportiva. Em tom humorado, passou a me
chamar de parente. Foi o único momento que senti a presença, mesmo
superficialmente de um "parente" sanguíneo do avô paterno que nunca
conheci. Pelo que sei, mesmo tão perto, Nazaré nunca conviveu com nenhum
deles.
Minha
mãe era uma criatura maravilhosa. Tinha uma coração de ouro. Mesmo pobre,
sempre que vinha do mercado, o pouco que lhe sobrava ainda dividia com quem
precisava mais.
Depois
que ela se foi, a Rede Globo exibiu uma novela, cujo título era o
do personagem principal (Dona Xepa) que era interpretado por Iara Cortes e
eu sempre via nela, DONA NAZARÉ.
....Sempre
quis, e fez tudo que pôde para eu me formar, mas partiu sete anos
antes do que seria de certa forma, um dia de resgate da sua "origem
nobre" que lhe foi negada conviver. Sendo originária das duas extremidades
da pirâmide social só lhe foi possível conviver com uma. Mas a sua luta
propiciou que avançássemos na busca de espaço como que em recompensa à sua
história de vida e as injustiças a ela cometidas.
Dia
18/02/2017 (um sábado), seria seu aniversário de 90 anos e com certeza teria
uma grande festa, hoje já com dezenas de netos e netas, e vários bisnetos e
bisnetas. Dois dos Netos com mandatos (Luciano e Rafael).
Que
DONA NAZARÉ não me recrimine por externar essa história, sempre guardada de
forma misteriosa que até então pouca gente conhecia, mas o faço em homenagem
à sua história de superação e bondade.
Que
Deus a tenha, pois há 42 anos e sete meses, fomos privados de sua bondosa
convivência.
Eng. Chico Leitoa
Fevereiro
de 2017