Minha Figura

Briga de Bêbados

10.11.16
Por Edson Vidigal, advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.


O sol ainda não havia dado as caras. As sombras se dissipando por debaixo das arvores eram o próprio anúncio do sol como próxima atração.

Pedalando então manhã bem cedo logo avistei adiante um corpo estendido no chão. 

Em seguida outro, mais outro, mais outro, até onde a vista alcançava não eram poucos os corpos estendidos no chão do asfalto. 

Mas que massacre. Imaginei. Reduzi a marcha dando meia volta querendo conferir se o que via era exatamente aquilo. O restante de um massacre. 

As pessoas estendidas no chão, homens e mulheres, vestiam roupas como se estivessem voltando de alguma festa. Roupas rasgadas, manchas de sangue, corpos denunciando mordidas enormes, uns braços sem mãos, pernas dilaceradas.

O sol não se conformou com o nublado das nuvens e foi logo tratando de derramar luz sobre a manhã macabra. Havia algo diferente dos massacres noturnos comuns a que até nos acostumamos a ver nos noticiários matinais da televisão.

Quem, por enquanto, nunca matou nem mandou matar, conta entre amigos seus lances repugnantes com mulheres, incluindo menores de idade, que nem os antigos malandros, muitas vezes até mentindo e tudo só para fazer farol e causar impacto em versos para a canção popular. 

(“Essa nêga tua é feia que parece macaquinha / (...) / dei um murro nela e joguei ela dentro da pia. Quem foi que disse que essa nêga não cabia?”.)

Uma estória dessas hoje em dia, embora incursione em de racismo, ainda diverte a muitos. Perto dos jargões dos traficantes, é canção para as almas honestas e inocentes.

Agora pedalando devagar revendo pela segunda vez as dezenas de corpos estendidos no chão, minha imaginação seguia atônita sem alcançar alguma explicação logica para tanta barbárie. 

A constatação alardeada pelos cientistas de que o homem é o único animal capaz de matar o seu semelhante, só por um instante me conformou. 

O cenário horrendo ali me remeteu a lembrança ao que o estado islâmico tem aprontado pela aí com os cristãos

À medida que o sol, vencendo as nuvens cinzentas, apagava as sombras em geral, foi dando para eu ver melhor o outro lado da avenida. Nada diferente. Mais corpos estraçalhados, aqui em maior quantidade, estendidos no chão.

Selvageria longe da selva? É possível. Na selva das cidades, em especial nas cidades grandes, cada um de nós carrega dentro de si um animal selvagem. Entre os corpos, o de um jumento ferido, estrebuchando, relinchando. 

Um pouco adiante um tigre disforme exibia seu bocão, os dentões pontiagudos. E aí deduzi ter sido aquele tigrão o terrível assassino. 

Adiante, imagina só, um elefante balançando a tromba, lançando uivos de alguma celebração. Aí não entendi mais nada. Acelerei a marcha, confesso, quase morrendo de medo do elefante. 

Que nem o campônio do coração materno, tropecei no meio fio da avenida. E caí. Até foi bom porque acordei. E fiquei sabendo quem venceu. Hillary e Trump disputavam quem detinha a maior taxa de rejeição popular. Por estreitíssima margem, A Hillary perdeu. Trump  é agora o novo Presidente dos Estados Unidos.

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