Por Roberto Veloso,
ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE
@robertoveloso_
Quando
se vai assistir a uma partida de futebol da série A do campeonato brasileiro, a
grande estrela é o VAR. Uma sala equipada com monitores de televisão por todos
os lados, onde árbitros da CBF averiguam a legalidade e normalidade dos lances
e dos gols.
Os
comentaristas estão em estado de irritação e aborrecimento, porque gritam gol e
depois de alguns minutos, com o árbitro postando a mão no ouvido, o lance é
anulado e a torcida do time beneficiado pelo VAR vibra como se o tento tivesse
sido marcado em seu favor. Jogadas dentro da área são revistas e pênaltis
marcados de faltas passadas desapercebidas pela arbitragem.
Depois
da entrada em vigor da Lei 13.869/2019 em janeiro de 2020, a legalidade das
decisões e sentenças dos juízes ficarão aguardando a avaliação de um VAR
simbólico representado pelas partes e pelo ministério público, para saber se o
magistrado decretou a prisão ou condenou para prejudicar alguém, beneficiar a
si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
A
lei não pretende punir a exceção, que realmente pode acontecer. A exemplo de um
juiz por ter tido o seu veículo avariado por outro em um acidente de trânsito
sem vítimas, manda prender o motorista do carro causador da batida. Isso é um
abuso de autoridade e deve ser punido.
No
entanto, a lei aprovada não deseja punir a exceção, mas a regra. A atividade
cotidiana de todo juiz criminal é analisar prisões em flagrante realizadas pela
Polícia e decretar prisões requeridas. Assim, todas as decisões ficarão à mercê
de uma revisão pelas partes para saber se estão enquadradas ou não na Lei
13.869/2019. A exemplo das realizadas no campeonato brasileiro pelo VAR.
Quando
o Tribunal de Apelação conceder o Habeas Corpus declarando que a prisão
decretada pelo juiz não se justifica, então não há mais o que discutir, o juiz
cometeu abuso de autoridade. É essa circunstância que está a angustiar a
magistratura criminal brasileira.
Fico
a me lembrar de um colega magistrado que condenou uma quadrilha de assaltantes
de banco, com inúmeros latrocínios (homicídios para roubar) praticados.
Perguntado pela reportagem qual o sentimento dele naquele momento em que o
bando estava preso e condenado, respondeu que estava pessoalmente satisfeito.
Se
fosse agora, incidiria nas penas do art. 9°, da Lei 13.869/2019 (Lei do Abuso
de Autoridade), por estar satisfeito pessoalmente com a prisão e condenação dos
acusados. O magistrado cumpridor do seu dever poderia ser condenado a uma pena
semelhante a quem pratica o crime de furto, apropriação indébita e receptação.
Imagino
a situação das magistradas e magistrados encarregados de processar e julgar os
crimes de violência contra a mulher. Justamente no momento em que mais se
precisa de medidas fortes e rápidas para coibir o aumento de feminicídios. Um
tipo de crime que é praticado, na maioria dos casos, sem testemunhas. É querer
um juiz Super-Homem ou uma juíza Mulher-Maravilha para decretar a prisão de um
feminicida correndo o risco de responder a um processo criminal.
Por
essa e outras razões, há a necessidade de o Supremo Tribunal Federal se
manifestar sobre o alcance da lei aprovada. Pela reação ocorrida até o momento,
com inúmeras decisões determinando a soltura de presos e não concedendo prisões
provisórias, existe o risco de colapsar a Justiça criminal de 1° grau,
justamente a responsável pela prestação jurisdicional de primeira hora no caso
de crimes. É hora de pensar qual o Judiciário se deseja para o Brasil.
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