Por Edson Vidigal,
advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da
Justiça Federal.
Calçada do setor
de embarques em Congonhas.
- Está livre,
companheiro?
O taxista ergue o polegar
direito sinalizando sim. O passageiro acomoda a mochila no banco traseiro e
senta no banco da frente.
O endereço de
destino próximo ao quartel do antigo IV Exército cruzando com a rua onde uma
moça que nem era assim a ovelha negra da família foi torturada instiga o
taxista:
- O senhor mexe
com política?
- Não. Mexo com
remédios. Sou um daqueles que levam amostras-grátis aos consultórios médicos.
O homem que mexe
com remédios saca do bolso do paletó seu iPhone, um 5S, e começa a ver e-mails.
O taxista vê aí a ponta do novelo para uma conversa.
- Sabia que o
iPhone mais caro do mundo é o seu? Custa quase o dobro do que é vendido no
Canadá.
- Ééé... no Brasil
paga-se muito imposto.
- Muito? A maior
parte da população não sabe é de nada. Um ano não tem 12 meses? Pois nós, os
bestas aqui, precisamos trabalhar 5 meses de cada ano, entregando tudo do nosso
trabalho em impostos para o Governo. E o que ganhamos em troca? Numa relação de
30 países o Brasil é o último no grau de satisfação entre os pagadores
de impostos.
O rádio do táxi
está na Band News e o assunto é a Operação Lava Jato. Os desvios na Petrobrás,
diz o rádio, somaram até agora 21 bilhões de reais, o que, daria para comprar,
segundo o saite Impávido Colosso, os principais times de futebol da Europa -
Real Madrid, Barcelona, Chelsea e Inter de Milão. O homem que mexe com remédios
desliga o celular e não querendo passar por indiferente compartilha.
- Enquanto isso,
penamos aqui com a inflação enrustida, a gasolina mais cara...
O taxista retoma o
discurso.
- Tudo que a
mulher disse na campanha que os outros candidatos é que fariam – aumentar
juros, gasolina, impostos, cortes no orçamento e tal – ela já fez logo nos
primeiros dias.
- Não está na hora
de o povão, como fez em junho do ano passado, ir para as ruas provando que não
aceita mais ser maioria silenciosa?
- Depois daquela
em que o operariado se juntou à classe media, incluindo a rapaziada do passe
livre, provocando o maior medo no Governo e nos políticos, vimos que nenhuma
mobilização se repetiu naquele volume. O que aconteceu? O Governo infiltrou
aqueles mascarados que saíram quebrando tudo e outros pedindo a volta da
ditadura. Resultado? Ninguém mais quis sair às ruas. Todo mundo ficou
assustado.
O homem que mexe
com remédios interrompe o taxista.
- O senhor é muito
bem informado e articulado. Já foi militante politico?
- Não. Fiz
economia na FMU, mas logo descobri que não tenho vocação para fazer horóscopos.
Este carro é meu. Ao mesmo tempo trabalho em tempo integral para a guerra fria.
- E o que isso?
Que guerra é essa?
- Lembra da
invasão do Iraque? Foi obra da guerra fria. Sobrou para os americanos. Agora o
foco é o Brasil. Vamos prender e fuzilar esses políticos todos. Vamos arrancar
com alicate fio por fio das barbas e dos bigodes deles. Depois virão
os alemãs para dar um jeito nisso aqui. É para a Alemanha que o Governo,
errando em quase tudo, trabalha.
Muito reflexivo, o
homem que mexe com remédios estende um braço para o banco traseiro como se
procurasse na mochila alguma amostra-grátis para o taxista. Alguma encefalina
granulada, talvez. Desiste. Paga a corrida além do que cobra o taxímetro. Antes
de sair, pergunta-lhe:
- E essa guerra
fria quando vai ser, companheiro?
- Já estamos nela.
Só então o homem
que mexe com remédios percebe que o taxista usa barba cerrada, o que o faz
muito parecido com aquele politico, o Valdir.
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