Doada pelo pai a uma família do Piauí, a nordestina foi escravizada na infância. Ela se casou na adolescência e, mesmo proibida pelo marido, colocava os três filhos pequenos em um carrinho de bebê e ia para as ruas vender doces.
Empresária constrói o próprio negócio a poucos metros
do local onde foi expulsa em Praia Grande, SP — Foto: Liliane Souza/G1 Santos |
G1 - O
chão de uma calçada foi o local encontrado por uma empresária de Praia Grande,
no litoral de São Paulo, para vender os bolos que ela preparava. Maria Raimunda
Silva, de 58 anos, permaneceu durante 10 anos comercializando doces sentada em
uma calçada, até que inúmeras denúncias à prefeitura resultaram em sua expulsão
do local. Hoje, ela tem sua própria loja, a poucos metros dali, conta com nove
colaboradores, milhares de clientes e vende dezenas de bolos por dia.
Antes de
alcançar o que ela hoje define como sucesso, a nordestina passou por inúmeros
obstáculos. Natural de Caxias, no Maranhão, ela teve de se adaptar a uma nova
realidade quando completou 11 anos. Sem condições de garantir suas necessidades
básicas, seu pai a doou a uma família de Teresina, no Piauí. "Eu estava em
um restaurante com o meu pai, pedindo restos para comer, quando uma moça
perguntou: Ela é sua filha? Deixa ela ir comigo?", recorda. Ele autorizou
e ela foi levada pela desconhecida.
Separada
dos pais por pouco mais de 70 quilômetros, a jovem logo descobriu que não foi
levada por bondade da família piauiense. "Eles levavam mocinhas e
colocavam para trabalhar. Remuneravam com roupa, comida. Faziam a gente de
escravo", recorda.
Aos 17
anos, sem muitas perspectivas, Maria não viu outra alternativa senão casar com
um rapaz um pouco mais velho que ela. "Eu queria sair de onde
estava", diz. No ano seguinte, os dois partiram rumo a São Paulo em busca
de oportunidades. Um cortiço de um cômodo foi o que a ela e o então marido
conseguiram alugar quando se mudaram para a capital.
Empresária conta com nove colaboradores, milhares de
clientes e vende dezenas de bolos por dia — Foto: Liliane Souza/G1 Santos |
Devido à
situação precária, eles decidiram tentar a sorte em outra cidade e, aos 19
anos, ela começou morar em Praia Grande. Aos 24 anos, com três filhos pequenos
para criar, ela sequer imaginava que um dia seria independente e construiria
seu próprio negócio.
Até
então, quem arcava com as despesas da casa era o marido. "Mulher minha só
trabalha depois de eu morrer", dizia ele. Mas as contas não fechavam e o
casal mal tinha comida para oferecer às crianças. Mesmo proibida de trabalhar,
ela decidiu enfrentar o marido e começou a vender doces e salgados. Tudo
escondido, enquanto o marido trabalhava.
Os
primeiros passos foram dados com a ajuda de sua madrinha, que lhe ensinou a
preparar várias receitas e comprou os primeiros ingredientes que ela precisava
para dar início ao que no futuro mudaria completamente sua vida.
"Meu
marido chegava de noite e as crianças já estavam dormindo, todas queimadas de
sol". Com os três filhos em um carrinho de bebê, ela andava pelas ruas
para vender os quitutes. Até os professores das crianças se tornaram clientes.
"Eu pedia para as pessoas não contarem", afirma.
Três
meses depois, com um faturamento cada vez maior, ela resolveu revelar o
segredo. No início, o marido não gostou da ideia. Com o tempo, ao ver o
dinheiro que ela conseguia juntar, ele acabou concordando. "Eu dava todo o
dinheiro na mão dele".
Maria, que hoje tem a própria loja, já chegou a vender
doces em carrinho de praia improvisado com uma geladeira velha e rodas de bicicleta — Foto: Liliane Souza/G1 Santos |
Com uma
geladeira velha e rodas de bicicleta, ela conseguiu improvisar um carrinho para
vender comidas e bebidas na praia. Nesse tempo, o marido ficou desempregado e
começou a trabalhar com ela. Com o dinheiro que conseguiram juntar, eles
abriram um comércio no bairro Boqueirão. Mas o negócio não foi para frente.
"A lanchonete não tinha muito cliente porque eles tinham cisma com o meu
marido. Ele é uma pessoa ignorante".
Para
driblar a situação, ela ia para a rua vender as mercadorias. Essa foi sua
rotina durante anos até que, após guardar uma parte do dinheiro que recebia,
Maria conseguiu financiar um apartamento em seu nome, sem que o marido
soubesse. Ela se separou e deixou o comércio e todos os móveis da casa para
ele. Ela estava disposta a recomeçar do zero – dessa vez, somente ela e os três
filhos.
Com a
clientela que conquistou ao longo dos anos, ela continuou vendendo doces e foi
ficando cada vez mais conhecida pelos bolos que preparava. Graças à dona de uma
loja de autopeças, Maria conseguiu se fixar na Rua Espírito Santo, também no
bairro Boqueirão.
Sentada
na beira da calçada, Maria levava vários pedaços de bolo dentro de uma caixa.
"Eu servia os bolos em papel alumínio". Ela conta que os clientes
formavam filas que dobravam a esquina. "Mas algumas pessoas ligavam na
Vigilância Sanitária porque eu ficava no chão. Fiquei por uns 10 anos lá, até
que os fiscais da prefeitura começaram a reclamar muito e a moça da loja pediu
para eu arrumar outro lugar".
Persistente,
ela conseguiu vender os doces em um restaurante próximo ao antigo local e
também aceitava encomendas, que eram retiradas pelos clientes em seu próprio
apartamento. Maria ficou por lá durante nove meses, quando viu em um sobrado à
venda a oportunidade de ter o próprio negócio.
Maria Silva administra a loja com a ajuda das filhas
Melissa Karen da Silva Paz e Linda Ellen da Silva Paz — Foto: Liliane Souza/G1 Santos |
Ela
financiou o imóvel e, há quatro anos, vende bolos em sua própria loja. Para a
empresária, que conta com a ajuda das filhas no comércio, todos os obstáculos
serviram para fortalecê-la. "Eu sempre tive ambição de melhorar de vida,
mas nunca pensei que fosse chegar tão longe. Eu agradeço até o que aconteceu de
ruim. Tudo é para você crescer, lutar mais e ter mais coragem", finaliza.
0 comentários:
Postar um comentário