Por Edson
Vidigal, advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do
Conselho da Justiça Federal
Quando as coisas sempre dão certo para uma
pessoa logo se diz que ela tem muita sorte. Ou que é um líder nato. Sabe fazer
amizades. E hipnotizar multidões. Muitas vezes nem sempre é assim.
Mas como as coisas que dão certo, e quase
sempre ninguém sabe como, acabam obtendo uma repercussão descomunal, as coisas
que não dão certo praticamente somem afogadas pelas ondas dos falatórios a
favor.
Pratica-se muito aquela máxima de que em
política, por exemplo, o que vale não é o fato, mas a repercussão que se lhe
dê. Não é descomunal a repercussão que as mídias impressas e eletrônicas tem
dado a depoimento de um acusado perante um juiz criminal?
Ah, diriam, mas esse réu não é um réu
qualquer. Mas o principio maior na República não é o da igualdade de todos
perante a lei? Sim, mas o que vai interessar mesmo será a versão final
pré-fabricada a ser disseminada. O que quer dizer que essa versão final para
ser apresentada de forma atraente pode ser fantasiosa, recheada com mentiras,
as mais descaradas.
E assim vão se forjando os mitos, os
carismáticos, que se não conseguirem ficar bem na foto da história, pelo menos
já tem espaços cativos no cotidiano das coisas indecorosas, posando de
invencíveis. Não estou certo que a palavra certa para um começo de compreensão
dessa coisa seja cinismo. Digo que não estou certo porque a palavra cinismo não
diz tudo.
O cinismo, originariamente, era uma doutrina
filosófica na Grécia antiga. Os cínicos buscavam a felicidade na vida simples
em sintonia com a natureza, desprezando riquezas, confortos, tendo como
parâmetro dessas virtudes o jeito de ser dos cachorros. E das cachorras.
Então quando se diz hoje que alguém é cínico
está se dizendo que ele não tem compromissos com as regras sociais nem com a
moral vigente, ou seja, é um descarado.
Daí que para algumas pessoas esse negocio de
agir com cinismo chega a ser uma constante, quase sempre uma característica,
algo já inoculado ao caráter.
A vida em sociedade impõe regras morais e
éticas e regras legais, o que significa que todos nós estamos sujeitos a
limites.
Cada um na sua função, uns como políticos,
outros como juízes, todos como cidadãos, cada um está adstrito aos seus
próprios limites.
Mas quando nessa sociedade de regras morais e
éticas e de regras legais vem um e transgride e nada lhe acontece, nenhuma
sanção lhe é imposta, ele se julga imunizado pela impunidade para poder
continuar transgredindo.
Não demora e passa a ser uma pessoa temida,
poderosa. Outros transgressores, de menor potencialidade, vão se juntando a
ele, na crença de que vão ter sua proteção.
Mostrando união, exibem força e o chefão
poderoso passa a ser mais temido. Os medrosos por natureza ou por ocasionais
interesses, pelo sim, pelo não, aderem ou se calam.
Vai se formando o mito da invencibilidade. A
impunidade deixa de ser a omissão da polícia ou a fraqueza conivente dos
julgadores para se transformar em graça divina, - a sorte, justificativa única
de tudo.
Tudo na vida um dia acaba. Estrela brilhante
se apaga, a lua tem suas fases e numa dessas uma nuvem pode tirar da reta lunar
o sortudo. E se tudo é parte de um pacto com diabo, é bom lembrar que nessas parcerias
nunca ninguém ganhou.
A impunidade cansada de carregar tudo sozinha
nesses tempos todos já começa a sair fora. E se acham que é sorte, é bom não
abusar.
Concordo. Seres inimputáveis como Aécio e Sarney chega a dar ojeriza à população em relação à justiça.