Da Coluna do Sarney
O
Maranhão tem uma certa ligação com o Líbano. É difícil encontrar uma família
maranhense que com ele, de maneira direta ou indireta, não possua uma ligação
de sangue, sentimental ou de amizade. Sírios e libaneses de vários credos
religiosos buscaram para seus caminhos de imigração o Norte do Brasil. Aqui no
Maranhão essa presença se tornou tão forte que muitos sírio-libaneses assumiram
posições de liderança na política, no comércio, nas entidades de classe, com
grande expressão.
Essa
influência e miscigenação se tornou tão arraigada que chegou até a incorporar-se
aos costumes e à culinária. Eu sempre digo que o Maranhão tem várias
culinárias: a culinária da Costa, dos peixes e frutos do mar; a culinária
portuguesa tradicional, que não abandonamos, de cozidões, tortas, caldeiradas;
a do sertão, de carne de sol, maria isabel, pirão de leite etc; a libanesa de
quibes, esfirras, quibe labanie; e a maranhense mesma, mistura da africana e da
indígena com um toque libanês, de onde saiu o divino arroz de cuxá.
Antônio
Dino, grande médico e alma boa, que foi meu vice-governador, me contou uma
parte dessa saga da imigração libanesa dizendo que no início do século XX
alguns refugiados políticos, seus ancestrais e muitos outros, vieram para o
Maranhão, principalmente para o interior. Não guardei todo o relato, o que lamento,
e faço uma sugestão para alguma tese acadêmica levantando essa história, que
faz parte da nossa.
Eu
mesmo tenho dentro de casa muitos Murad e Duailibe, netos, genros e netos.
Quando
o meu romance O Dono do Mar foi traduzido para o árabe, fui a Beirute para seu
lançamento. A cidade tinha saído da guerra civil e estava toda destruída. O
Rafik Hariri – que seis anos depois foi morto pela explosão de um carro bomba
na hora em que passava seu comboio – era um grande político, fizera o Acordo de
Faët acabando com 15 anos de guerra-civil, estava reconstruindo Beirute. Com
ele e sua irmã construí mesmo uma relação de amizade. Tenho um serviço de
jantar que foi ofertado por ele.
O
Líbano tem uma história sofrida. Sua localização, espremido com fronteira do
Israel, Síria e Chipre (pelo mar), o torna alvo de permanente agressão e
envolvimento no caldeirão do Oriente Médio, tendo como centro a milenar luta de
judeus e palestinos.
A
tragédia que vive o Líbano com a gigantesca explosão e a destruição do seu
porto e da cidade somase à crise econômica e política. Naquela época se
assinalava a presença de 500 mil palestinos nos campos de refugiados,
comandados pelo Hezbollah, que desequilibrava a divisão de poderes
formada no pacto de independência, dividindo o poder dos xiitas com a milícia
Amal. Com a guerra da Síria mais 1,5 milhões de refugiados entraram no país,
que tinha 4,5 milhões. A insatisfação vem de toda parte. O filho de Hariri
tentou recentemente substituir o pai e foi expulso pelos protestos de rua que exigem
“fora todos os políticos”. A tragédia maior é um país essencialmente
multicultural tornar-se inviável pela violência de seus vizinhos e pela
incapacidade em exercer seu talento para a convivência.
Sofremos
com o Líbano e somos solidários com o seu povo e nos juntamos àqueles que no
mundo inteiro tem o dever de ajudá-los a ressurgir das cinzas.
Lamento profundamete, mas, nossa cidade está se tornando cada vez mais muda; por mais se possa imaginar, não é possível ficar calado diante da falta de presença de comentaristas dos nossos colaboradores que ainda se dispõe a escrever sobre as nossas peculiaridades, os nossos eventos históricos ou qualquer assunto que diga respeito ao que deve interessar a uma comunidade civilizada. Escreve-se, escreve-se e por mais que se faça, os que poderiam enriquecer, incentivar a divulgação do nosso patrimonio cultural continuam calados. Será que vai ser preciso que os analfabetos se manifestem de maneira imprecisa para que, pelo menos o espírito crítico adormecidos se levantem?