Por
Edimilson Sanches
RESUMO:
I)
O jornal “O Povo”, de Fortaleza (CE), iniciou, em 28/1/2020, a publicação de
uma reportagem em série sobre a expedição científica que percorreu o Estado a
partir de 1859. O advogado, escritor e etnólogo Antônio Gonçalves Dias,
maranhense de Caxias, fez parte da expedição, como um dos “cinco chefes” (como
ele próprio escreveu), responsável pelos estudos sobre as populações indígenas,
negras e sertanejas e pela redação do texto (“narrativa”) da viagem.
II)
Além desses caminhos expedicionários, por onde mais Gonçalves Dias andou? A
primeira listagem de cidades, Estados e países por onde o Poeta caxiense
esteve.
*
O
jornal “O Povo”, de Fortaleza (CE), em extensa reportagem publicada em 28 de
janeiro de 2020, trata da famosa Imperial Expedição Científica de Exploração ao
norte do Brasil, que teve, entre seus principais nomes (cinco ao todo), nosso
conterrâneo caxiense Antônio Gonçalves Dias (sim, o famoso poeta, também
advogado, etnólogo, tupinólogo, dramaturgo), que era responsável pelos estudos
etnográficos e por toda a narrativa da viagem. (Eduardo Henrique Barbosa de
Vasconcelos, professor do curso de História da Universidade Estadual de Goiás,
escreveu um artigo com o nome “Gonçalves Dias e a Seção Etnográfica e Narrativa
da Comissão Científica de Exploração (1859-1861)”).
A
Expedição era um sonho do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB),
que, em 1856, ouvira um marcante discurso de um de seus membros, o cientista
Manuel Ferreira Lagos. Lagos, botânico, clamava por pesquisas e produções
científicas feitas por brasileiros, sobretudo nas regiões menos visitadas, e
reclamava de diversos estudos e explorações realizados por estrangeiros, os
quais cometiam erros tamanhos. O próprio Gonçalves Dias, na “Parte Histórica”
do seu livro-relato “Trabalhos da Comissão Científica de Exploração” (1862)
informava, introdutoriamente, que “já acontecia que a terra de Santa Cruz era
melhor estudada e apreciada nas viagens e relações dos escritores estrangeiros
do que nas memórias dos nossos antepassados”. Um parágrafo depois, o notável
caxiense observa que “os estrangeiros têm tido nem só ampla faculdade de
visitá-lo [ao Brasil], pois não carecem de solicitar permissão para isso, como
auxílio, recomendação, proteção e favores do nosso governo [...]”. Logo
adiante, no mesmo parágrafo, o relator oficial da Expedição ressublinha, em
aposto: “[...] aquele fato singular que no princípio assinalamos – de ser o
Brasil mais e melhor conhecido pelos estranhos do que pelos nossos – se
conserva no mesmo pé”. E finaliza o parágrafo, como quem lamenta ou alerta:
“Precisamos estudar o Brasil nos autores estrangeiros, consultamos as suas
cartas marítimas até na nossa navegação de cabotagem [aquela feita perto do
litoral, com terras à vista], e mesmo na apreciação política dos acontecimentos
remotos ou recentes da nossa história o estrangeiro como que tem, na opinião
pública, entre nós a primazia, e leva a palma [...]”.
Deu-se
que, para ser alvo dos estudos, o Ceará foi o escolhido – tanto que a Expedição
também ficou conhecida como “Comissão Científica do Ceará”.
Por
que o Ceará? Corriam rumores, boatos, estórias dando conta de que havia muito
minério de valor, sobretudo ouro, no território cearense. (Um artigo de Paulo
César dos Santos, como mestrando em História Social da Universidade Federal do
Ceará, traz no título: “O Ouro é Nosso: Comissão Científica de Exploração de
1859 e as Lendas sobre Ouro no Ceará”).
Sobre
essas pretensas riquezas minerais cearenses, Gonçalves Dias registrou, no seu
relato, que estava “contribuindo não pouco para essa resolução [escolher o
Ceará] a crença geralmente aceita de ser o solo do Ceará por ventura o mais
metalífero de todo o Brasil”. Exemplifica Gonçalves Dias que “a obra de um
escritor”, “filho do Ceará [Francisco Telles de Menezes, padre], mais talvez
que nenhuma outra causa concorreu para propagar-se aquela opinião entre os
cearenses e passar deles a todos os brasileiros”. Gonçalves Dias chega a anotar
que “o autor não soube achar nenhum outro meio de engrandecer a sua terra senão
anunciando pomposamente ricas minas, indícios de tesouros ocultos [...] e
curiosidades maravilhosas [...]”.
Como
se lê, os muitos ditos e escritos “auríferos” conduziram a famosa Expedição ao
Ceará e a alguns Estados vizinhos. Mas, como se confirmou depois, de amarelo
mesmo só as tonalidades da fauna, da flora... e dos dentes pálidos
entremostrados nos sorrisos açafroados dos que, vivos, robusteceram as lendas
e, assim, induziram a decisão...
No
frigir dos ovos – também eles parte amarelos... –, fez-se do limão uma limonada
e o que não se descobriu de riquezas minerais reverteu-se para riquezas talvez
bem maiores e melhores: a fortuna faunística, com fecundidade de insetos e
outros bichos; o fastuoso da Botânica, com suas plantas e outros vegetais; e a
profusão de outras preciosidades do reino dos seres vivos, que tornam, ainda
hoje, o Ceará um dos luxos brasileiros em espécies endêmicas, próprias,
singulares, únicas...
Muita
coisa foi coletada. Muito texto foi escrito. E muitos estudos depois, ao correr
dos 160 anos da Expedição, também foram e são gerados. E, apesar disso, a
Expedição ficou também conhecida – e até lhe criaram nomes... – em razão de
episódios que envolveram galanteria, sedução e, diz-se, “defloramentos”, em
conjunções carnais impróprias (para ser ameno), bem como o muito conhecido
“imbróglio” dos dromedários ou camelos, 14 deles, trazidos da Argélia para, com
a sabida capacidade de resistência deles, enfrentar travessias pelo cálido
sertão, conduzindo cargas e gentes – e que foi um fracasso, tendo-se devolvido
os animais, exceto um, que, ferido, morreu.
O
nome de Gonçalves Dias foi mencionado. Em ambos os casos. Ele permaneceu no
Ceará ano e meio, de fevereiro de 1859 a agosto de 1860.
Sobre
a questão camelídea, pelo menos, o famoso poeta atesta que nada teve a ver.
Escrevendo do Ceará para seu sogro, Cláudio Luís da Costa, em 20 de abril de
1859, Gonçalves Dias relata o episódio dos “camelos” (não escreveu
“dromedários”). Ele registrou que os bichos tinham “an dar incômodo” e, por
isso, conta o caxiense: “– deixei-os”.
Um
dos camelos/dromedários, segundo nosso Conterrâneo, “quebrou a perna”
(diferente do pouco específico “pata ferida” da reportagem de “O Povo”). O
incidente ocorreu “meses depois” da participação de Gonçalves Dias como
passageiro dos animais. Na época do incidente, os dromedários estavam levando
cargas.
Também
nessa época, houve desentendimentos com Gonçalves Dias a partir de uma
autoridade (parece que o presidente da Província cearense). O maranhense disse,
em outros termos, que não deixou barato. Na escrita dele: "[...] eu
suporto tudo, exceto que me cheire a desaforo. [...]".
*
Reportagens
como essa da série de “O Povo” (jornal que li muito quando morei e trabalhei em
Fortaleza), resgatam-me um dos muitos sonhos que tenho: desenvolver uma espécie
de “pesquisa GPS”, para registrar os diversos pontos geográficos (cidades,
Estados, países) onde estiveram nossos talentosos Conterrâneos e, nesses
pontos, buscar-lhes os registros relacionados a esses caxienses – o que eles
escreveram e o que escreveram sobre eles; documentos em estabelecimentos de
ensino, entidades de classe, órgãos públicos etc. Tudo visando a “remontar” e
enriquecer, ainda mais, a biografia desses maranhenses...
Gonçalves
Dias... Coelho Netto... João Mendes de Almeida... Teixeira Mendes... Aderson
Ferro... Celso Menezes... Theodoro Ribeiro Junior... Ubirajara Fidalgo...
Vespasiano Ramos... João de Deus do Rêgo... Teófilo Dias... César Marques...
Elpídio Pereira... João Lopes de Carvalho... Manoel Caetano Bandeira de
Mello... Rodrigues Marques... Adaílton Medeiros... Berredo de Menezes...
Armando Maranhão... João Christino Cruz... Sinval Odorico de Moura... Andresa
Ramos... Leonildes Macedo Castelo Branco Nascimento (Indinha Castelo Branco)...
Joaquim Antônio Cruz... Francisco das Chagas Oliveira Luz... Cândido José
Ribeiro... Dona Francisca do Lindô (Maria Francisca Pereira da Silva)... José
Murilo Martins... Joaquim José de Campos Costa Medeiros e Albuquerque... Déo
Silva... Cid Teixeira de Abreu... Joaquim José da Silva Maçarona... e muitos
outros (para citar apenas caxienses) são nomes, em sua maioria, que
frequentaram outros espaços geográficos para além do Maranhão, para além do
Brasil, para além-mar, enfim, para muito além de Caxias.
Mas
isso, que não requer um mundão de investimento, só é possível com o afloramento
da verdadeira paixão e do incontido orgulho de ser caxiense/maranhense, com o
que gestores, decisores, envolveriam a participação de outros estratos
públicos, institucionais, econômicos, sociais e culturais, para a refundação de
novas “expedições” que pudessem ir não aos confins e recônditos geográficos,
mas, sim, que clareassem espaços temporais e documentais nos quais,
indubitavelmente, assinala-se, orgulhosamente, a presença de nossos
conterrâneos, filhos de Caxias, do Maranhão.
A
título de exemplo, ponha-se um “GPS” imaginário em Gonçalves Dias, desde o seu
nascimento em terras de Caxias até sua morte por naufrágio em águas de
Guimarães, no Maranhão. No meio disso, o “intermezzo” do teatro da vida,
Gonçalves Dias cruzou, várias vezes, águas oceânicas e chegou a terras bem
distantes daquelas eivadas de palmeiras e com ouvidas de sabiás.
Gonçalves
Dias, em listagem rápida, de Caxias foi, menino, para São Luís (MA). De lá, em
1838, para Coimbra (Portugal). Daí para diante, são muitas as cidades e países
por onde passa e onde, certamente, deixou digitais documentais, literárias
etc.: Portugal (Lisboa, Porto, Gerês e Évora); França, a partir de 1854 (Paris,
Le Havre, Marselha, Vichy. Bordeaux/Bordéus, Aix-les-Bains e Allevard); Reino
Unido (Londres e Southampton), Bélgica (Bruxelas) e Alemanha, a partir de 1855
(Dresden, Koenigstein, Berlim e Ems); Espanha (1856); Áustria (Viena) e Itália
(Roma), ambas em 1857; Peru, em 1861 (Loreto, Cochequinas, Pebas, Iquitos,
Nauta, San Rissi, Parmari e Mariná); Venezuela (São Carlos e Cocuí, ou Piedra
del Cocuy); República Tcheca (Marienbad, ou Mariánské Lázn?, e Teplitz, ou
Teplice, e Karlsbad, ou Karlovy Vary).
No
Brasil, além de Caxias e São Luís (MA), Gonçalves Dias caminhou por: Rio de
Janeiro (RJ); Estado do Pará e na Paraíba (ambos em 1851); Recife (PE) e Bahia,
em 1852; Fortaleza, Pacatuba, Acarape, Baturité, Canindé, Quixeramobim,
Quixadá, Icó, Crato, Missão Velha, Jardim, Milagres, Aracati e Limoeiro do
Norte (CE); Sousa (PB); Pau dos Ferros (RN); Belém e Cametá (PA); Manaus,
Coari, Tefé, Fonte Boa, Tocantins, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Vila do
Crato, hoje Manicoré (AM).
Pelo
menos, 34 cidades em 10 países estrangeiros e, no Brasil, um mínimo de 34
cidades em 11 Estados.
Se,
ainda assim, não são muitos, no mínimo são intensos, produtivos, criativos e,
até, instigadores os caminhos por onde passaram os nomes talentosos de Caxias e
do Maranhão. No caso de Gonçalves Dias, além das poesias, peças teatrais,
livros em prosa, correspondência ativa, textos científicos, um dicionário de
tupi... que outros textos mais produziu? Haveria algo não conhecido, em prosa
ou verso, publicado em terras não brasileiras? Haveria outras “marcas”,
documentos, assinaturas, imagens...?
Valeria
a pena refazer caminhos – e, quem sabe, (re)conhecer o que ainda não é
conhecido.
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