Muita gente me pergunta por que aprendi a
letra de tantas músicas de cantores populares. A resposta está em minha
infância e adolescência na casa de meus pais, quando depois de fazer as tarefas
escolares, divertia-me ouvindo as histórias de
Cícera, secretária doméstica de minha mãe.
Cícera era também lavadeira de roupas no Rio Poty, à época em que as águas
daquele manancial não estavam poluídas. De fato, construção não havia acima da
cachoeira de pedras próxima ao CEFAP. Cícera era forte sem ser gorda, o ofício
não lhe permitia. Comia farinha com banana quando ia lavar roupas no rio, era
esse o costume de todas. Passava o dia sob o sol escaldante, sem usar filtro
solar Um tempo de ausência de preocupação com o câncer de pele.
Ela não gostava de ferro elétrico, só passava
roupa com o ferro a brasa. As camisas de meu pai trabalhar eram engomadas,
literalmente. Realizava seu trabalho ouvindo a rádio Pioneira de Teresina, no
programa “Seu gosto na berlinda”, apresentado pelo jornalista Roque Moreira.
O programa além de tocar músicas populares,
hoje cognominadas de bregas, fazia uma espécie de mensageiro, principalmente
para as regiões maranhenses próximas à capital piauiense. Era comum se ouvir
recados do tipo: “João de Dica avisa à sua esposa Maria do Rosário que fez a
cirurgia e está tudo bem. Na sexta-feira receberá alta e voltará para casa.
Prepare os animais”. A ordem para preparar os animais se devia à falta de
estradas vicinais, obrigando os moradores a trafegar em lombos de animais ou a
pé da estrada principal até suas residências.
Eu mesmo fui umas duas vezes postar tais
recados a pedido de minha mãe para os seus familiares maranhenses. Eram sempre
ouvidos e a resposta sempre chegava a contento. O programa assim possuía uma
audiência enorme, realizava um serviço de utilidade pública inestimável.
As músicas tocadas eram as melhores
possíveis. Vejam o exemplo do Fernando Mendes com inúmeras canções de altíssimo
nível, mas somente ganhou a parte intelectualizada da sociedade quando teve uma
de suas músicas cantadas por Caetano Veloso: “Você não me ensinou a te
esquecer”.
Ainda hoje prefiro as de Waldick Soriano,
para mim incomparavelmente o melhor. Ele foi autor de centenas de músicas,
notabilizando-se por “Quem és tu” e “Tortura de amor”, esta última censurada no
governo dos militares. Não porque fosse uma canção revolucionária, mas porque
continha a palavra tortura. Vejam a que ponto chegava a censura.
Além de Waldick, outros cantores eram
tocados. Bartô Galeno, que gostava de imitar Roberto Carlos. Para este, compôs
“Lembranças do rei”, cuja letra é formada pelos títulos das músicas do ídolo.
Genival Lacerda com o seu estilo de duplo sentido. Odair José querendo tirar a
moça daquele lugar e Reginaldo Rossi, entre tantos outros.
Mas às vezes acontecia o inesperado. Em certa
oportunidade, um motorista, nosso vizinho, teve o seu casamento abalado por uma
música tocada a pedido da namorada. A partir dali a esposa ficou sabendo das
escapadas do marido. A melodia era carro hotel de Bartô Galeno.
A história foi comentada nas rodas da
vizinhança e meu tio disse “esse vai ter de ouvir entre espumas, de Roberto
Müller, para apagar as mágoas”. Fiquei curioso e fui procurar ouvir a música. A
letra fala de um amor iniciado em uma mesa de bar, com os amantes tomando uma cerveja.
Por infelicidade, o amor durou apenas duas semanas. A sensibilidade de Roberto
Müller transformou o evento em canção.
O Washington, genro de dona Dorcas, caxiense
de nascimento e coração, enviou-me há uns dias atrás a apresentação do Roberto
Müller em Recife, cantando entre espumas. O cantor entra no salão igual a um
imperador romano voltando de uma batalha vitoriosa, sob as notas triunfais da
orquestra.
Saba tu não e fraco não no teu blog escreve um ministro da Lei e agora um Juiz Federal de maior gabarito de nosso Estado.