Por Edson
Vidigal
Cabelos e barba encarapinhados e aquele olhar
discretamente esbugalhado de Imperador da Etiópia, o garçom espera que os mais
apressados, afinal, escolham as mesas onde vão ficar.
Na escala em Frankfurt rumo a Moscou, vi a
fúria de fome com que uns brasileiros encararam repetidas porções de
linguicinhas e canecões de cervejas variadas.
Agora, na escala de volta ao Brasil, estamos
aqui, Eurídice e eu, neste pequeno e acolhedor recanto pedindo sugestões de
pratos e de vinho ao nosso cover de Leão de Judá.
Só nos restam agora menos de duas horas.
O Imperador da Etiópia, Hailé Selasié,
conhecido como Leão de Judá, fez história também na Jamaica e até no Brasil.
Celebridade global à época viajou de Adis
Abeba, a Capital do seu Império, a convite do Presidente Juscelino para a
inauguração de Brasília.
No Palácio da Alvorada, em plenos festejos, o
Imperador recebeu a má noticia de que fora deposto numa reviravolta militar.
Sem o poder do Trono, não tinha dinheiro para voltar.
Juscelino pediu a Walter Moreira Sales, dono
do Unibanco, 500 mil cruzeiros para financiar a viagem e o retorno do Imperador
ao Trono. Em lá chegando, Selasiê fui bem sucedido.
Na Jamaica, Marcus Garvey, um ativista pelos
direitos dos negros, em tom profético, recitou um dia – “olhem para a África,
onde um rei negro vai ser coroado, anunciando que o dia da libertação estará
próximo”.
Isso virou um dogma para descendentes dos
escravos. Afinal, a abolição em 1833 não melhorou em quase nada a vida do povo
negro.
A assunção ao Trono etíope de um Príncipe
negro, em 1930, atiçou ainda mais as esperanças na Jamaica soando como uma
confirmação da profecia de Garvey.
Haile Selassié era o “Ras Táfari” prometido e
esperado. Nada a ver, portanto, com o cabelão trançado de Robert Nesta Marley,
conhecido no mundo como Bob Marley.
Rastafáris entre os jamaicanos são os
seguidores da crença que se mantém inabalável de que após a assunção de um rei
negro a um trono na África a libertação verdadeira estaria próxima a partir do
êxodo à origem de todos.
O avental do nosso gentil garçom tem bolsos
para tudo do seu trabalho – telefone celular, maquininha para cartão de
crédito, saca rolhas, cardápio, carta de vinhos, bloco para anotar os pedidos, sei
lá que mais.
Transita sua magreza quase imperial em passos
leves como se o quadrado do restaurante fosse sua privilegiada passarela.
Com o indicador aponto o mostrador do meu
relógio como a lembrar-lhe que temos pressa. Ele faz a interlocução com o olhar
e segue o seu script imperturbavelmente.
Agora é a nossa vez nas linguicinhas. Mas
nada de canecões com cerveja. Ainda há tempo para um tempranillo de La Rioja,
Espanha. A União Europeia faz muito também com essas coisas.
(Edson
Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho
da Justiça Federal. Fez escala em Frankfurt, Alemanha, na viagem de volta de
Moscou para o Brasil).
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