Do Jornal Folha de São
Paulo
Ítalo
Diniz, 30, era blogueiro em Governador Nunes Freire, cidade de 25 mil
habitantes no oeste do Maranhão. Sem filiação partidária, ele escrevia artigos
denunciando políticos da região e recebia ameaças públicas, como a de um
ex-prefeito que prometeu sua morte e a de um guarda municipal que o
hostilizou durante sessão da Câmara de Vereadores, fatos que relatou à
polícia.
No dia
13 de novembro de 2015, Ítalo foi atingido por quatro disparos feitos por dois
homens em uma motocicleta, que fugiram. Morreu antes de receber atendimento
médico.
Na
véspera do crime, ele havia relatado a colegas de imprensa ameaças feitas
por “prefeitos, vereadores, capachos e seguranças”, sem citar nomes.
Uma semana antes a mãe dele também fora ameaçada.
Passados
quase três anos, o inquérito sobre a morte de Ítalo não foi concluído e
mandantes e executores não foram identificados. A investigação é acompanhada
pelo Judiciário, uma vez que um dos suspeitos tem foro privilegiado.
O caso
faz parte do relatório “O
ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores”,
lançado nesta quinta-feira (8) pela ONG
Artigo 19. De acordo com o documento, metade dos profissionais de
comunicação assassinados no país nos anos de 2015 a 2016 atuava como blogueiro.
O
estudo apresenta o monitoramento dos 22 assassinatos de comunicadores no país
no período de 2012 a 2016. Doze deles constavam na análise anterior,
apresentada há dois anos, sobre mortes no período de 2012 a 2014 –foram 3
blogueiros, 3 radialistas, 4 jornalistas, 1 proprietário e 1 fotógrafo.
Dos
dez novos casos, 5 eram blogueiros, 3 radialistas, 1 jornalista e um proprietário
de veículo de comunicação, crimes praticados em cidades que tinham em média 50
mil habitantes. Ou seja, cresceu a proporção de blogueiros entre as vítimas.
“Faz sentido que os blogueiros
sejam os mais atacados, porque em boa parte das cidades menores do Brasil não
existem jornais impressos estruturados. Nesses locais, quem acaba fazendo a
comunicação são os blogueiros e radialistas comunitários, só que esses perfis
de profissionais acabam ficando mais vulneráveis à lógica da violência”, afirma o coordenador do
relatório e assessor do programa de Proteção e Segurança da Artigo 19, Thiago
Firbida.
Segundo
ele, uma característica comum entre os crimes é o planejamento e a participação
de intermediários na execução. Cerca de metade dos casos envolve ainda agentes
do Estado, como políticos, policiais e funcionários públicos, o que dificulta a
investigação. Além disso, muitas delegacias não têm estrutura para fazer as
perícias necessárias.
“Essa falta de estrutura é um
grande problema não só nos crimes contra comunicadores, mas em todo o processo
de investigação de homicídios no Brasil. O que é diferente nesses casos é que,
como os mandantes são pessoas poderosas, além da falta de estrutura das
polícias, [a impunidade] também é influência dessas pessoas”, diz.
Firbida
aponta que mais da metade das investigações (59%) teve andamento
insatisfatório, ou seja, após anos o inquérito não foi aberto, foi arquivado ou
não chegou a ser concluído. Em 41%, o andamento foi satisfatório, com a
abertura da ação penal e sentença. Em apenas um caso, porém, houve condenação
do mandante, caso da morte do blogueiro Décio Sá, em São Luís (MA), em
2012.
Os
casos também revelam a falta de ação diante das ameaças sofridas pelos
comunicadores, relatadas por 77% deles. “Se as autoridades
não respondem a ameaças consideradas mais leves, o que a gente percebe é um
agravamento até um grau extremo, que é o homicídio”,
afirma.
A
organização também monitora ameaças a profissionais e aponta que elas podem
gerar autocensura, mudança da área de cobertura e até abandono da profissão.
Para
evitar o cenário de impunidade, o relatório aponta um conjunto de medidas, como
a proteção efetiva dos comunicadores pelo governo federal, o acompanhamento dos
casos pelo Ministério Público e o investimento prioritário pelos governos
estaduais nas polícias para investigar os crimes.
“São casos que não têm só uma
dimensão individual, mas social, porque quando um comunicador é assassinado
você está atingindo o direito da sociedade de se informar. Essa é uma dimensão
coletiva que os governos atuais precisam ter em mente”, diz Firbida.
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