Dona Ivone Lara, todos se lembram, foi a
autora da melodia e dos versos que amplificados por incontáveis vozes de
interpretes de muito respeito despertaram em forma de sonho um sentimento
chamado saudade outorgando-lhe uma sublime missão – sonho meu, sonho meu, vai
buscar quem mora longe sonho meu!
A poetisa desta obra prima era negra que
ralou muito nas noites paulistanas cantando em boates, churrascarias, enfim
onde a chamassem. Com tenacidade e integridade alcançou décadas depois o
sucesso, melhor dizendo, o reconhecimento nacional.
Não há mortalidade para quem constrói com
idealismo e boa fé um consistente legado. Dona Ivone Lara fez história e, por
isso, a homenagem que, por causa de idiotas reações racistas, não aconteceu.
Isso porque Fabiana Cozza, a atriz escolhida
pela família de Dona Ivone Lara para personificar a sambista e compositora num
musical de antecipado sucesso, não é uma negra negrinha, uma negra retinta, é
filha de pai negro e de mãe branca. A certidão de nascimento qualifica-a como
parda.
Os muros escolhidos pelos racistas na
desqualificação da atriz na porta de entrada do estrelato foram os das chamadas
redes sociais. Fabiana Cozza não se amofinou. Em sua carta de renúncia ao papel
da grande dama do samba – D. Ivone Lara, um sorriso negro – que iria
representar nos teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo, escreveu:
Dona Ivone Lara. |
– O racismo se agiganta quando
transferimos a guerra para dentro do nosso terreiro. (…) Renuncio porque vi a
guerra sendo transferida mais uma vez para dentro do nosso ilê (casa) e senti
que a gente poderia ilustrar mais uma vez as páginas dos jornais quando eles
pro lombo dos que tanto chibataram. E seguem o castigo. E racismo vira coisa de
nós, pretos. E eles comemoram nossos farrapos na Casa Grande. E bebem, bebem e
trepam conosco. As mulatas.
Vitória da intolerância sempre a dar gás ao
que não presta. O patrulhamento de parte dos negros contra uma mulher nascida e
criada nos quilombos favelados não é coisa só do Brasil.
Nos Estados Unidos da América do Norte, por
exemplo, aconteceu que Raquel Dolezal, uma ativista incansável da causa negra,
depois de alcançar o topo numa das maiores organizações do movimento passou a
sofrer perseguições e patrulhamentos de grupos mais radicais porque numa
entrevista se identificou como transracional. Sua origem é caucasiana.
Dona Ivone Lara. |
Não obstante o apoio que recebeu de
celebridades afro-americanas, como Whoopi Goldberg, dentre centenas, continuou
sofrendo perseguição. Há documentário na Netflix contando a história de Raquel
Dolezal.
No caso brasileiro, Fabiana Cozza, a atriz,
não só foi indicada ao papel no musical pelos familiares de D. Ivone Lara como
era amiga da homenageada, frequentadora de sua casa, onde cantavam em alegres e
inspirados duetos.
Até ontem, quarta feira, dia 06 de junho,
passaram-se 50 anos de uma das maiores tragédias no cenário politico dos
Estados Unidos com gravíssimas repercussões nas lutas contra o racismo e a
intolerância no mundo civilizado.
Após um breve de discurso no salão de um
hotel em São Francisco, na Califórnia, agradecendo pela vitória eleitoral que
lhe garantiria a indicação democrata à Presidência da República, Bobby Kennedy,
àquela altura um dos lideres contra o racismo ao lado do Doutor King, não
escondendo cansaço físico, foi aconselhado a voltar ao seu quarto pela cozinha.
E passando por lá entre aplausos do pessoal
da cozinha, Bobby foi baleado na cabeça por um rapaz de 22 anos de idade,
Shihan Bishara Shihan, imigrante palestino, empregado da cozinha, o qual julgou
que assim vingaria o seu povo contra o apoio dos Estados Unidos na guerra dos 6
Dias vencida por Israel.
Edson
Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho
da Justiça Federal.
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