O problema é quando a história fica comprida
demais, cheia de leguleios, uma coisa a realçar ali, outra a esconder acolá e
aí o biógrafo, se não tem compromisso pessoal algum com o biografado, resolve
contar tudo.
Se o biografado ainda vive, ou vegeta por aí,
não lhe faltam advogados, famosos ou em busca de fama, querendo embargar a
publicação, apreender a edição, tocar fogo no que já foi impresso. Tem liminar
para tudo.
Um dos casos de maior repercussão foi o de
Roberto Carlos, grande figura humana, que discretamente, ao seu estilo, sabe-se
melhor agora, soube trabalhar em canções e atitudes a volta da democracia,
apoiando pessoalmente exilados do regime militar. Caetano Veloso falou.
A própria expressão "Jovem Guarda",
que denominou o movimento musical no qual emergiu como o principal líder,
muitos viram como coisa de alienado, foi uma sacada de ironia contra o regime
militar. Jovem Guarda, na revolução russa, era a tropa mais assanhada de apoio
a Lênin.
Mas enquanto Roberto teima em não ser
conhecido de corpo inteiro, talvez por timidez, sim ele é um tímido, talvez
porque não tenha conseguido conviver com os fantasmas dos seus traumas, não
faltam os que até inventam coisas para ver se melhoram a própria historia.
E a biografia de Garrincha, a estrela
solitária do Botafogo? Já havia morrido quando foi publicada. Um
desentendimento entre herdeiros privou o País de conhecer uma bela história de
vida.
Evandro Lins e Silva, Ministro do Supremo
cassado pelo regime militar, um grande que não escreveu a própria biografia,
foi quem me sugeriu ler o livro sobre Garrincha, sem esconder ainda o seu
entusiasmo pelo Anjo Pornográfico, a biografia de Nelson Rodrigues. Ambos de Ruy
Castro.
Tem livros assim, uns proibidos, mas
encontráveis na clandestinidade de algumas estantes. Outros, pelo prestígio
político dos autores, lançados em grandes badalações, depois parecem se
multiplicar nos sebos e calçadas. E ninguém os quer, nem mesmo de graça e com
autografo do autor.
Os grandes da história da humanidade não
escreveram suas próprias biografias, viveram-nas com a força dos ideais com que
empolgaram o seu tempo e com a dignidade dos que, no exemplo deles, souberam
ter a consciência da missão.
Moisés, Cristo, Júlio César, Lincoln,
Jefferson, Napoleão, Churchill, De Gaulle, Gandhi, Mandela, Pedro II, Getúlio,
Juscelino não escreveram, eles próprios, suas histórias de vida. Nem
Shakespeare, nem Baudelaire, nem Gonçalves Dias, nem John Lennon, nem Luiz
Melodia, nem Wally Salomão.
Eu estava na hora quando Tarcísio Holanda,
meu antigo chefe de reportagem no Correio do Ceará, em Fortaleza e depois meu
colega na redação do Jornal do Brasil, em Brasília, adentrou aquele pequeno
gabinete de Magalhães Pinto, a poucos metros do plenário da Câmara. Eu era
Deputado do mesmo partido do doutor Magalhães e do doutor Tancredo, o
PP/Partido Popular.
Conversa vai, conversa vem, Tarcísio
perguntou se já não estava na hora de ele, doutor Magalhães, escrever sua
biografia. Político no Brasil nunca deve escrever a própria biografia,
respondeu o velho sábio, naquele tom baixo, quase de murmúrio, o olhar esperto,
esbanjando ironia.
Por que, doutor Magalhães? Insistiu Tarcísio.
Porque ou mente muito ou omite muito.
Edson
Vidigal, advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho
da Justiça Federal.
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