Por Edson
Vidigal, advogado, professor, foi ministro e corregedor do Tribunal
Superior Eleitoral na condição de representante do Superior Tribunal de Justiça
Incomodei e não foi pouco, mas isso de que eu
saí atirando não foi bem assim. Depois de 4 anos, dois como suplente e dois
como titular, acumulando ainda com as funções de Ministro do STJ, não quis que
na minha última sessão no TSE coubesse discurso de lantejoulas, rasgação de
seda e tal.
Ao agradecer, me permiti registrar críticas
ao formato de mais de 50 anos, ainda hoje predominante, da nossa Justiça
Eleitoral. Verbis:
“Instituída por Getúlio Vargas há mais de 50
anos, a Justiça Eleitoral juntou-se ao Poder Judiciário da União Federal como
um dos compromissos inadiáveis da Revolução de 1930. Foi montada, timidamente,
com juízes emprestados. É uma Justiça Federal que tem juízes e Ministério
Público estaduais e, também, e Ministério Público federais.
À exceção dos dois juristas nomeados pelo
Presidente da República para mandatos de dois anos, renováveis apenas uma vez,
todos os juízes eleitos por igual período, acumulam funções. Esse formato
originário, que se justificava até porque o País era menor, foi ficando. Os
longos períodos de abstinência política à força, sem eleições diretas e de
bipartidarismo imposto, empurraram a Justiça Eleitoral para o sombreado da cena
no palco, quase na coreografia.
Hoje, pela Constituição de 1988, a Justiça
Eleitoral tem função da mais alta relevância. Enquanto o Supremo Tribunal
Federal é o guarda da Constituição, responsável pela manutenção da ordem
constitucional, o Tribunal Superior Eleitoral tem a seu encargo a afirmação dos
valores tutelados – normalidade e legitimidade das eleições.
É Justiça Eleitoral, portanto, que, alistando
os eleitores, realizando as eleições e diplomando os eleitos, confere ao regime
o poder decorrente da soberania popular. Sua omissão ao exercício pleno de suas
tarefas implicaria a diluição da legitimidade das eleições.
O formato de Justiça Eleitoral ainda em
vigor, montado há mais de meio século, não serve mais porque não se ajusta às
novas responsabilidades constitucionais.
Hoje há, no TSE, um cadastro informatizado
com os 106 milhões e 101 mil eleitores (isso em 20 de junho do ano 2000). A
cada dois anos temos eleições no País, envolvendo dezenas de partidos e dezenas
de milhares de candidatos para um número quase incontável de cargos públicos. A
soberania popular, manda a Constituição, há que ser exercida também por meio de
plebiscitos e referendos.
Como atender a essa intensa demanda com uma
Justiça de juízes emprestados, de servidores requisitados, que comparecem à
jurisdição duas vezes por semana? Dentro em breve, uma Corte como a nossa,
noturna e quase sempre cansada, não conseguirá cumprir plenamente todas as suas
atribuições.
Que tal uma Justiça Eleitoral sem nós? Sem
Ministros do Supremo e sem Ministros do STJ? Sem os juristas recrutados na
forma tradicional? Para começo de ampla discussão, sugiro uma Justiça Eleitoral
com Ministros indicados pelos partidos (dois) dentre os seus juristas. (Mas
juristas mesmo); pelo Ministério Público (dois); pela Ordem dos Advogados do
Brasil (dois); pelos representantes da mídia impressa e eletrônica (um). Todos,
depois de aprovados pelo Senado, seriam nomeados pelo Presidente da República.
Trabalhariam em tempo integral e dedicação exclusiva. Teriam mandato de seis
anos, renovável por mais quatro.
Governabilidade democrática não se confunde
com estabilidade de Governo. O fracionamento partidário, sem uma consciente
base popular, transforma os governantes em reféns da insaciabilidade dos grupos
políticos sem compromisso com a governabilidade. Há que se priorizar, portanto,
a legitimidade da representação popular. Poder sem representatividade não tem
credibilidade. O Povo poder até temer, mas não respeita.
A democracia não se realiza sem a motivação
cultural dos eleitores, sem a predominância da ética, sobre a banalização da
política, sem o aprimoramento da Justiça, sem a organização das comunidades
contra a nossa estupida concentração de renda, sem o combate firme à corrupção.
Nada do que nos incomoda e nos motiva
aconteceu de repente. Encontro nestes versos de Almada Negreiros, poeta
português, alguma explicação:
Quando eu cheguei devia ser tarde / já tinham
dividido tudo / entre os outros e seus descendentes / só havia o céu por cima
dos telhados / lá muito alto / para eu respirar / e sonhar.
Tudo o mais / cá em baixo / era dos outros e
seus descendentes. / a terra inteira / era estrangeira / mais este
pedaço onde nasci. / Não me deixaram nada /nada mais que o sonhar. (...) e eu
que não sei sonhar senão a vida / e que não sei viver senão o sonho / hei de
ficar aqui / entre os outros e os seus descendentes? “.
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