Uma hipoteca da Guerra Fria
Da Coluna do Sarney
O século XX foi caracterizado como o mais
violento da história do Mundo Ocidental. Tivemos duas guerras mundiais,
com milhões de mortos. Pensou-se que, depois da última, o mundo iria viver
em paz e harmonia; mas surgiu uma nova espécie de guerra, que foi a Guerra
Fria, da confrontação e da ameaça da arma nuclear. Houve o enfrentamento de
duas ideologias: a comunista e a capitalista.
Na esteira da descolonização e da maior onda
de democratização que já vivemos, a queda do Muro de Berlim acabou a
Guerra Fria.
Mas na América ficamos com uma herança, que
foi Cuba, onde continuou o embargo dos EUA — que já no meu mandato o Brasil
rompeu. A Revolução Cubana procurava se exportar para toda a América
Latina. Isto correspondeu ao período das ditaduras militares estimuladas e
reconhecidas pelos EUA, das agitações populares e da implantação de um anarco
populismo. Procurava-se destruir a autoestima nacional, estimular a luta das
minorias e promover a guerra de guerrilha, coisas que foram perdendo força à
proporção que o mundo se ia transformando.
O que ficou nos dias de hoje foi o
fortalecimento do proletariado e a tomada de consciência da prioridade dos
direitos humanos, cujas violações tornaram-se intoleráveis e impossíveis de
aceitar, e uma sociedade cada vez mais inconformada com a desigualdade.
No mundo de hoje acabou-se a polarização
entre duas potências — Rússia e EUA —, para uma multipolarização, com
destaque maior para a China, potência científica e militar que caminha para ser
a primeira economia do mundo.
Assim, esta turbulência que vive a América
Latina é uma distante hipoteca da Guerra Fria, misturada a rebeliões populares
do longínquo século XIX. É um fenômeno das democracias pobres, não
amadurecidas e consolidadas do mundo ocidental. É o caso da Venezuela, da
Nicarágua, do Peru, do Equador. Na Argentina sobrevive e ao mesmo tempo agoniza
o peronismo, cuja ideologia não se sabe bem o que é, mas resiste ao
tempo. O problema da Bolívia é inteiramente diferente.
Na Bolívia houve a presença de um fenômeno
pessoal: Evo Morales. Ele fez um brilhante governo. Pela primeira vez
o país teve um longo período de estabilidade, crescimento econômico e paz
social. O Presidente Morales julgou que isso lhe assegurava perpetuar-se no
poder e avaliou mal o sentimento popular. A rotatividade no poder é a base
da estabilidade democrática. Ele convocou um plebiscito para ver se o povo
concordava em dar-lhe um quarto mandato e o povo respondeu
não. Ditatorialmente, dominando a Justiça, obteve da Corte Suprema
desconhecer o veredito popular e forçou uma nova eleição, comprovadamente
fraudulenta. Deu no que deu.
A Bolívia é país sofrido, instável, com uma
história de expoliação de seu território, tendo sua saída para o mar cortada e
passado por mais de 150 golpes militares.
Vamos esperar que volte ao caminho que vinha
seguindo: democracia e crescimento. Ela merece.
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