Por Edson Vidigal
No que
mais se fala é na reforma da previdência social, a realidade econômica do País
anuncia que se não houver uma nova previdência o Governo não terá mais dinheiro
para pagar as atuais aposentadorias, portanto nem pensar em como será o amanhã
dos que não tendo mais emprego nem mais idade e saúde para algum trabalho
precisarem se aposentar.
Batendo
na tecla de retrocesso da datilografia mental, me reencontro a mirar na mesa da
sala, na casa do meu pai, na Rua São Benedito, em Caxias, a capa da revista O
Cruzeiro, espreitando um descuido dos olhares adultos para ir tê-la comigo,
sozinha comigo, a moça docemente sensual em seu maiô catalina, que atiçava em
mim aquele o fogo reprimido na fantasia púbere, natural na
pré-adolescência.
No
primeiro carnaval, decorei a marchinha – por duas polegadas a mais, passaram a
baiana pra trás. Eu não entendia direito o enredo, mas de pronto notei que ela,
a moça da capa, tinha sido vítima de alguma maldade muito séria.
À
medida em que o tempo me enchia os olhos e as esperanças com coisas novas da
vida mais eu descobria que muitos outros homens se achavam namoradinhos dela.
O
inconsciente do mundo masculino foi encontrando maneiras de convivência com
aquela saudável fixação. Seu nome virou sinônimo de beleza pura para os homens
e sua estampa fonte inesgotável de imitação para as mulheres.
Em
Long Beach, nos Estados Unidos, em 1954, a moça baiana já estava aclamada como
a mulher mais bonita do mundo. Um juiz apareceu com uma fita métrica e depois o
veredito – duas polegadas a mais nos quadris.
Os
olhos delas são duas contas azuis. Sua pele parece louça. Isso ela ouvia desde
criança. De ascendência alemã, falava francês, inglês e espanhol. Mas não era
do tipo alto e peituda que os gringos até hoje adoram. Talvez daí o preconceito
contra as duas polegadas a mais nos quadris da moça.
O
Brasil, acompanhando tudo pelas ondas do rádio, que se contentasse com a
segunda posição no pódio da beleza universal.
Tímida,
vendo aquele mundo novo pelas meninas azuis dos seus olhos levemente míopes, a
moça baiana bem que seria hoje comparada com essas legiões de brasileiros que,
acreditando no direito adentram os cancelos da Justiça – ganham, mas não levam!
Teria
mesmo que ser a segunda, a número dois. O presidente do Júri mandou que o cetro
e a coroa fossem entregues à americana Miriam Stevenson, sobre quem, e não
demorou muito, quase ninguém soube mais. Por onde andará Miriam Stevenson? Por
onde andará?
Marta
Rocha, viúva do primeiro casamento com o milionário português, aliás banqueiro
na Argentina, Álvaro Piano, com quem se casou quando tinha 23 anos de idade,
retorna de Buenos Aires voltando a morar no Brasil. Guardou luto. Sua herança
foram dois filhos.
Uma
geração inteira de homens seguiu fixado nela, sonhando adivinhações com que
pudessem alcança-la. Convivi de perto com alguns, uns ricos, outros poderosos,
todos querendo as suas graças, um deles querendo mesmo casar com ela.
Seu
segundo casamento foi com Ronaldo Xavier, que visto hoje talvez coubesse bem no
samba de Miguel Gustavo na voz de Jorge Veiga – “Café Soçaite”. Com o Ronaldo,
uma filha.
O
tempo não esquece a idade e a idade nunca para consumindo a vida. Marta como
todo mortal viveu agruras, atravessou dificuldades e hoje, aos 82 anos de
idade, segue antenada no mundo.
Hoje
estou muito triste pela Marta, depois que li sua mensagem numa rede social,
assim:
“Meus
amigos, participo que estou morando numa pousada para idosos por questões
financeiras. Não me sinto diminuída, humilhada por isso. Pelo contrário, pois a
minha dignidade segue sem mácula.”
Marta
Rocha não é aposentada, nem tem plano de saúde.
(Edson Vidigal, Advogado, foi
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e Presidente do Conselho da Justiça
Federal.)
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