A rapidez com que o novo coronavírus se multiplica no país acende o alerta para a incapacidade do sistema de saúde brasileiro atender, no curto prazo, a todos os casos graves decorrentes da epidemia.
A corrida dos governos estaduais e do Ministério da
Saúde para aumentar a disponibilidade de leitos de UTIs tem
obstáculos adicionais, já enfrentados por países com aumento exponencial de
infecções: conseguir, em tempo recorde, os insumos e equipamentos necessários
para o atendimento, principalmente ventiladores mecânicos.
O temor é faltar velocidade na aquisição de novos
respiradores — considerados essenciais no tratamento de uma doença que ataca os
pulmões e provoca insuficiência respiratória — e na compra de equipamentos de
proteção individual, como máscaras.
No país, há 65 mil ventiladores, segundo dados do
Ministério da Saúde, o que equivale a três equipamentos para cada dez mil
habitantes. Desse total, 46,6 mil estão no SUS.
A distribuição não é homogênea: o Distrito Federal
e estados das regiões Sudeste e Sul — que concentram o maior número de casos —
contam com uma proporção de respiradores acima da média nacional.
Além disso, parte deles já é usada para atender a
outros casos. Segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a
taxa de ocupação dos ventiladores disponíveis nos hospitais particulares é de
20%. No SUS, é de 50% a 60%.
Tempo em ventilação
Sem os ventiladores, e a considerar a evolução de
infecções no Brasil similar à de países como Itália e Espanha, equipes de
emergência poderão se ver obrigadas a escolher, em um futuro não tão distante,
quais pacientes ocuparão os leitos disponíveis com ventilador mecânico —
enquanto outros acabarão deixados com cuidados paliativos ou à própria sorte.
— É a maior preocupação. O mundo inteiro está
comprando respirador neste momento — diz o infectologista David Uip,
coordenador do Centro de Contingência de Coronavírus em São Paulo.
Da primeira leva de 1.400 novos leitos de
emergência que o governo de São Paulo estimou como necessários para receber
casos graves, o estado conseguiu verba para pouco mais de mil. A lei brasileira
diz que, para entrar em funcionamento, cada leito de UTI deve ter ao menos um
ventilador mecânico.
— Desses novos leitos, 500 já estão prontos para,
havendo necessidade, serem abertos em uma semana — diz o secretário de estado
da Saúde, José Henrique Germann.
O estado de São Paulo concentra a maior parte dos
casos de coronavírus. O prefeito da capital, Bruno Covas, anunciou que a prefeitura
vai criar mais duas mil vagas de UTI. Será necessário correr para providenciar
leitos, ventiladores e pessoal para operá-los no prazo anunciado por ele, de
duas semanas.
— O problema é que esses pacientes permanecem longo
tempo em ventilação. Um paciente fica em média seis dias na UTI; o com Covid-19
fica duas semanas, chegando a até 20 dias em alguns casos. Vai chegar uma hora
em que esse recurso pode se exaurir — explica Suzana Lobo, presidente da
Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
Apenas quatro empresas fabricam esses equipamentos
no Brasil: Vyaire, Takaoka, Leistung e Magnamed. Além delas, multinacionais
como GE, Philips e Medtronic distribuem aparelhos importados — pouco acessíveis
por causa da demanda global.
— Os ventiladores são, sem dúvida, o maior gargalo
— diz Fernando Silveira Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria
de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed).
Antes da crise, a demanda brasileira por
ventiladores era de duas mil unidades por ano, número irrisório frente à
explosão na demanda por causa do coronavírus.
Nesta semana, autoridades médicas da Itália pediram
quatro mil unidades a fabricantes internacionais, mas só conseguiram 400. Cada
aparelho custava antes da crise entre R$ 40 mil e R$ 200 mil, nas contas do
consultor em gestão da saúde Carlos Suslik, que tem experiência na
administração de unidades importantes, como o Hospital das Clínicas, em São
Paulo.
— Esses aparelhos não tinham uso tão intenso numa
UTI como têm, por exemplo, os aparelhos de reanimação cardíaca. Por isso, o
comércio tinha pouca escala antes da epidemia — diz Suslik.
Na última sexta, o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, reconheceu o problema e afirmou que o governo estava em contato “com
três iniciativas privadas associadas para aumentar a linha de produção, porque
ele (o respirador) tem que ser um equipamento preciso”. (O Globo)
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