O Padre Antônio Vieira, não o dos Sermões, em
nome de quem sacrilégios infindos tem se perpetrado em discursos e escritos,
mas um modesto vigário que viveu ou ainda vive no interior do Ceará
chamou para si a causa dos jumentos sem donos.
Jumento que fosse encontrado só, pastando ou
mesmo parado, sem fazer nada, com aquele ar de filósofo de entardecer em beira
de estrada, como se esquecido de si, era apanhado e embarcado num caminhão para
ser, adiante, exterminado.
Quando soube disso, o Padre Vieira começou a
mobilizar seus paroquianos, chamando-lhes a atenção para se acabar com aquele
absurdo. Jumento é o animal mais abençoado!
Quando Herodes, o rei perverso, inspirador de
governantes que não estão nem aí para as estatísticas de mortalidade infantil,
mandou matar todos os recém nascidos para ter a certeza que, dentre eles, não
sobreviveria o Messias, o casal José e Maria só fugiu a tempo, salvando o
menino, porque tinha, ou alguém lhe emprestou, um jumento.
A primeira mijada do Menino Jesus teria sido
mesmo no lombo daquele jumento. Daí, dizem também, aquela pinta escorrendo de
um lado ao outro pouco antes do pescoço, seria prova de que o jumento foi
o único animal pessoalmente abençoado pelo Filho do Homem.
A sua entrada triunfal em Jerusalém, 33 anos
depois, no domingo de ramos, sendo aclamado Rei dos Judeus, não foi num cavalo
de puro - sangue árabe, preferidos dos Césares, mas num jumento simples, um
jegue pé duro.
Assim como a pomba branca simboliza a paz, a
serpente o mal, o cordeiro o sacrifício, o jumento em si é o emblema da
perseverança, da capacidade de sobrevivência em qualquer lugar do mundo, nas
condições mais difíceis. É um bicho solidário, é ele que tem mais a ver com
cada um de nós.
Portanto, não apenas para o Povo do interior
o jumento é um amigo solidário e um companheiro de trabalho, para qualquer
trabalho a qualquer hora. O jumento é um motor de força, um meio de transporte,
um cúmplice, é o trator dos pobres.
Dispensa cuidados de veterinário, come até
sola de sapato velho, pano de chão, folha de urtiga, dorme em pé, também serve
como relógio porque só relincha, e muito sonoramente, nas mesmas horas do dia.
E se tem uma jumentinha por perto, reproduz adoidado.
Os cearenses da paróquia do Padre Vieira
fizeram um assanhaço tão danado contra os nazistas dos jumentos que até o Rei
do Baião, o grande Luiz Gonzaga, se engajou no movimento em defesa da vida dos
jumentos. O Padre até publicou um livro, “O Jumento Nosso Irmão”.
Em todo lugar do mundo, o Povo é força
imbatível se motivado às grandes causas. A mobilização do Padre Vieira contra a
matança dos jumentos resgatou os deveres gerais para com a defesa dos direitos
dos animais.
Caminhando domingo pela Avenida Paulista vi
uma fila enorme adentrando um casarão antigo. À entrada, uma placa sugeria,
adote um cão. Muitas pessoas saiam dali levando para casa um cachorro, desses
que, antes, viviam soltos sem donos pelas ruas.
O padre de Peritoró, contra quem assacam as
infâmias de já ter mandado matar mais de duzentos jumentos, bem que poderia se
mirar no exemplo do Padre Vieira cearense e, como os voluntários da Avenida
Paulista, instalar na Prefeitura uma Central de Adoção de Jumentos.
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