Repare bem no
pássaro engaiolado por tanto tempo e um dia veio alguém e o soltou. De tão
acostumado que estava com a quietude daquele exíguo espaço pareceu que já nem
sabia o que fazer das suas asas.
Geralmente
aprisionam os pássaros porque sendo raros em suas plumagens e cantos logo
despertam a cobiça e a inveja, sentimentos negativos próprios dos que não
conseguem sedimentar com bons princípios as suas ambições.
Faz lembrar o
Cartola, ainda é cedo amor, mal começastes a conhecer a vida...
Sim, é legítimo
ter ambições. E precisamos mantê-las despertas, acenando-lhes com as esperanças
mais verdes encontráveis nos brejais mais sonhados. Ambições, mas só daquelas
do dizer do poeta, as mais nobres e as mais lúcidas!
O que leva alguns
de nós a se interessar, por exemplo, pela politica e a ter ambições politicas?
O bem comum - é a resposta primeira que, nuns poucos idealistas, desponta logo
querendo calar a todos.
O bem comum, hão
de questionar, não pode ser alcançável sem que se tenha que fazer,
obrigatoriamente, as nem sempre limpas travessias da política.
Quando perguntaram
a Tancredo, querendo constrange-lo, se ele iria mesmo para aquela farsa do
Colégio Eleitoral, submetendo-se às regras da ditadura, só para ser nomeado
Presidente, ele respondeu que iria, sim, tapando com um dedo o nariz e com um
lenço à boca para travar as náuseas.
Havia um objetivo
maior, a volta da democracia, a remoção de todos os resquícios do
autoritarismo, as liberdades civis.
Um dia, enfim,
seremos todos cidadãos.
E quando houver
cidadania plena, as pessoas inteiras, conscientes não só dos seus direitos,
também dos seus deveres para com os outros, a sociedade será dona, ela sim, dos
seus movimentos e das suas aspirações.
O paternalismo de
Estado que, sem resolver as questões estruturais, se dana a querer inventar
enganosamente soluções paliativas e o clientelismo político que se ocupa sempre
em distribuir agrados que só retardam a explosão da bomba ao mesmo tempo em que
outras vão sendo feitas, terão que desaparecer.
Esses dois grandes
defeitos, paternalismo de Estado e clientelismo político, mais a farsa
partidária, que só deformam e atrasam democracia, perderão adeptos quando a
cidadania for plena na consciência das pessoas e os princípios mais sólidos
inspirarem as ações mais firmes.
Quando os
movimentos sociais se apresentarem mais unidos nos seus propósitos e mais
fortes em sua organização será possível fazer as travessias da política com
todas as certezas de que as ações dos políticos, em verdade mesmo, terão como
destinação única o bem comum.
A política, então,
só terá espaços para os melhores do meio do Povo, e não apenas para os ricos,
ou aqueles oportunistas, ou os carreiristas, ou os outros que se submetem a
tudo, pagando qualquer preço, o sangue ou a alma, enfim, o que o diabo quiser
pela ambição desvairada que os mantém espertos.
Estar acostumado
com o espaço exíguo da gaiola e depois ser tirado para fora mas sem saber o que
é efetivamente a liberdade, sem noção do que é verdadeiramente a democracia, tantos
foram os anos de alpiste e de assobios, em movimentos que nem chegaram a ser
vôos, tão exíguos os espaços, é como estar livre que nem um pássaro
desengaiolado, que solto no tempo nem tentou alçar-se um pouco acima do chão.
Isto porque não
sabendo há tempos o que era a liberdade já nem sabia mais o que fazer com as
próprias asas. Precisamos retomar o trabalho da transição democrática. A
Constituição como está, cheia de remendos e equívocos, não se sustenta. O
Estado já não responde por suas obrigações. A inépcia grassa, a corrupção
domina.
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