Minha Figura

Recanto do poeta - Era uma vez, ainda, Ana Miranda: lembranças de sua estada em Caxias

18.9.18
Por Wybson Carvalho

- Era Ana Amélia...? - Não... - Mas, era Ana...? - Sim, Ana Miranda.
- Mas, houve uma confissão de amor...? Sim houve e foi tão verdadeiramente fiel que chegamos a duvidar se aquela Ana era a Amélia ou a outra, a Miranda!

Essa dúvida se deu diante de mais de cinco centenas de caxienses, entre professores e estudantes, presentes ao Auditório Leôncio Magno - CESC-UEMA, no dia 29 de novembro, de 2008, quando a escritora, Ana Miranda, a convite da Academia Caxiense de Letras e da coordenação regional do PROLER, veio a Caxias fazer palestra na XII edição do Programa de Incentivo à Leitura e o IV Salão do Livro de Caxias. Naquela oportunidade, Ana Miranda se confessou muitíssima apaixonada pelo poeta Antônio Gonçalves Dias; a quem se declarara, concretamente, através de um dos mais belos romances de sua vasta produção literária. Já, no dia seguinte, um sábado, 30, Ana Miranda, ciceroneada por membros da ACL e do PROLER, foi à Mata do Jatobá, gleba Boa Vista, precisamente, no Morro da Laranjeira, local no qual nasceu o poeta caxiense.

Ana Miranda é uma escritora cearense, mas vivida em vários estados brasileiros e exterior, com quase duas dezenas de livros publicados nos gêneros do romance, conto, novela, ensaio e poesia, além de artigos e crônicas para jornais e revistas. Sua produção já foi traduzida em mais de dezessete idiomas e países, tais como: Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, Itália e outros.

A vasta produção de Ana Miranda compreende os livros: Anjos e Demônios, poesia, 1978; Celebrações do Outro, poesia, 1983; Boca do Inferno, romance, 1989; O Retrato do Rei, romance, 1991; Sem Pecado, romance, 1993; A Última Quimera, romance, 1995; Clarice, novela, 1996; Desmundo, romance, 1996; Amrik, romance, 1997; Que Seja em Segredo, poesia, 1998; Noturnos, contos, 1999; Caderno de Sonhos, ensaio diário, 2000; Dias & Dias, romance sobre a vida de e o amor por Gonçalves Dias, 2002; Deus-dará, crônicas, 2003; Prece à uma Aldeia Perdida, 2004; A Flor do Cerrado: Brasília, conto infantil, 2004; Lig e o Gato de Rabo Complicado, conto infantil, 2005, e Tomie: Cerejeiras na Noite, romance, 2006. A maioria, publicada pela Companhia da Letras, Editora de São Paulo, que reúne os maiores escritores do Brasil.

Sobre o livro: Dias e Dias, da escritora Ana Miranda...

Estamos diante de um livro que não se consegue parar de ler", escreve José Mindlin na orelha deste romance de Ana Miranda. A história reúne três personagens centrais: Feliciana, uma jovem sonhadora e obstinada; o poeta romântico Antonio Gonçalves Dias, por quem ela nutre uma longa e intensa paixão, e o sabiá - não um sabiá específico, mas a espécie inteira, que na "Canção do exílio" simboliza a pátria distante.

A narrativa de Ana Miranda combina história e ficção para contar uma história sobre o amor, os costumes provincianos no interior do Brasil durante o século XIX, a descoberta da cultura indígena, a beleza da poesia e os mistérios da sensibilidade.
No romance, Feliciana toma conhecimento da vida íntima de Gonçalves Dias por meio das cartas enviadas pelo poeta a seu grande amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal. Mostradas a Feliciana por Maria Luíza, esposa de Teófilo, as cartas registram muitas das questões existenciais do poeta. Feliciana descreve de forma emocionante a paixão que as cartas alimentam, e seu relato revela refinamentos da alma feminina. A trama tecida pela autora faz com que o leitor se identifique com Feliciana, uma mulher que desvenda o que sente por meio da escrita e da memória.

Os personagens menores - o pai de Feliciana, colecionador de sabiás; Adelino, um tímido professor apaixonado por Feliciana, e Natalícia, a doce e severa preceptora - conferem ao livro uma grande riqueza humana.

Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) é o principal nome da poesia romântica brasileira. Além de "Canção do exílio", compôs os principais poemas da vertente indigenista do romantismo, entre eles "I-Juca-Pirama" e "Leito de folhas verdes". Com uma narrativa clara e simples, reproduzindo a linguagem do romantismo, Ana Miranda recorda mais uma vez a vida de um de nossos poetas - como fez também com Gregório de Matos em Boca do Inferno -, levando o leitor a uma viagem de encantamento lingüístico e conhecimento histórico. Dias & Dias recebeu o Jabuti na categoria romance, em 2003, e o premio da Academia Brasileira de Letras para romance brasileiro, no mesmo ano.

Minha estada em Caxias do Maranhão e a Mata do Jatobá

Visitei recentemente a cidade de Caxias das Aldeias Altas, após mais de trinta anos da viagem em que a conheci. Continuava linda, derramada em vales de flores perenes, por cima do morro do Alecrim com largas vistas. Caxias é um velho burgo do Maranhão, no limite com o Piauí, pelo médio Itapecuru. Chamam-na de Princesa do Sertão, e tem mesmo uma nobreza em suas construções antigas, na localização, e na história repleta de insurreições idealistas. Supõe-se que a cidade tenha nascido no local de onde foram escorraçadas centenas de tribos indígenas que ali viviam, como os Guanarés , de uma escola fundada pelo padre Malagrita em 1742, com uma presença histórica de portugueses letrados. Se for verdadeiro este fato, talvez possa explicar ali terem nascido tutelares na literatura, como Coelho Neto e Gonçalves Dias este, personagem de um romance que escrevi, em parte inspirada por ecos de minha passagem pela cidade, na juventude.

Fui a convite de gentis moradores, e instituições caxienses, para falar de minha relação com o grande poeta e visitar o local de seu nascimento. Gonçalves Dias nasceu num tempo tristemente interessante, de guerras ligadas à Independência, e seu pai, português amasiado com uma mestiça brasileira, precisou fugir levando a mulher mato adentro , prestes a dar à luz. Venceram trilhas, abriram caminhos, atravessaram águas, subiram colinas, até o sítio onde se localizava a casa do irmão do português, e, dizem os moradores locais, perto de aldeias quilombolas de onde teria se originado a mãe de Gonçalves Dias. refiz esse caminho, por uma nova estrada onde passa carro, acompanhada de parte da elite intelectual caxiense, incrivelmente bem-humorada e afiada na inteligência, a fazer de suas tiradas brilhantes naquele belo português maranhense. Parecia que Gonçalves dias estava ali, conosco. Mesmo porque, um dos poetas da Academia era quase seu sósia, até nos gestos e no modo de falar lembrando o século 19.

O local de nascimento de Gonçalves Dias tem uma atmosfera impressionante. É uma clareira, no alto de um morro, onde não há nem mais ruínas do antigo sítio, apenas um marco de pedra, com os dizeres, "Aqui nasceu Antonio Gonçalves Dias, O Imperador da Lira Americana, em 10/08/1823", ali posta no centenário de sua morte, pela prefeitura. Ver aquele isolamento, abandono, as duras condições de nascimento do poeta, faz pensar as incríveis maquinações do fado.

Ana Miranda é romancista, autora de Boca do Inferno, Desmundo
e Dias e Dias (baseado na biografia de Gonçalves Dias).Esta crônica
sobre sua passagem em Caxias, por ocasião da Feira do Livro,
Salic e Proler, foi publicada na revista Caros Amigos.

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