Após
um julgamento que revelou tensões internas e provocou reações no Congresso, o
ministro Flávio Dino vai assumir a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) com a tarefa de levar adiante a análise das demais ações da trama
golpista e de outros processos que envolvem parlamentares. Ao mesmo tempo que o
comando do colegiado amplia o protagonismo na Corte, ele tomará posse em um
momento de divergência interna, evidenciada pelo voto do ministro Luiz Fux absolvendo
o ex-presidente Jair Bolsonaro, e enquanto parte do Legislativo articula
respostas à Corte.
O
ministro Flávio Dino foi eleito nesta terça-feira (23) presidente
da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele sucede ao
ministro Cristiano Zanin e será o responsável por conduzir a fase
final dos processos sobre a tentativa de golpe de Estado.
A
eleição se deu por votação simbólica, por unanimidade, na sessão desta terça. A
escolha por Dino segue uma tradição no tribunal segundo a qual assume o posto o
ministro mais antigo que ainda não tenha presidido a Turma.
O
ministro toma posse na nova função em outubro. Ele ficará um ano como
presidente do colegiado. A Segunda Turma também trocou a presidência há quase
dois meses, com Gilmar Mendes eleito para o posto.
Dino
fez graça com a eleição à Presidência da Turma. Foi a primeira vez que disputou
um cargo sem concorrentes. “A eleição no Supremo é diferente das outras tantas
que eu disputei. Em tom anedótico, digo que é uma eleição sem graça, sem sabor,
é a eleição mais fácil. Mas na verdade não o é; pelo contrário, é uma eleição
muito difícil”, disse.
O
ministro disse que a eleição é a mais difícil porque, entre outros pontos, é
preciso estar no Supremo para disputá-la. “Em segundo lugar, é preciso merecer
a confiança dos colegas, dos pares. Em terceiro lugar, é preciso, sobretudo, a
cada dia renovar a confiança dos jurisdicionados que passam a acompanhar cada
um de nós quando aqui ingressamos”, completou.
Flávio
Dino será o responsável por conduzir a fase final do processo contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais sete condenados pela
atuação no núcleo central da trama golpista.
A
contagem do prazo de 60 dias para publicação do acórdão do julgamento começou a
contar nesta terça, com a leitura e aprovação da ata da sessão da Primeira
Turma que cravou a sentença dos oito réus.
À
frente do colegiado, o ministro vai pautar e organizar o julgamento das ações
penais dos demais grupos da tentativa de golpe, que já estão em fase de
conclusão. No fim de agosto, o ministro Alexandre de Moraes abriu prazo para
que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e as defesas dos réus do núcleo
integrado pelos “kids pretos” apresentassem seus argumentos.
O
mesmo procedimento foi adotado na semana passada no caso do grupo conhecido
como “operacional”, que tem como alvos nomes como o ex-assessor presidencial
Filipe Martins e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei
Vasques. A expectativa na Corte é que todos os núcleos sejam julgados ainda
este ano, evitando que as análises se arrastem para 2026, ano eleitoral.
Também
estão na alçada da Primeira Turma os julgamentos dos mandantes do assassinato
da vereadora Marielle Franco (PSOL) e da antiga cúpula da Polícia Militar do
Distrito Federal (PM-DF), por suposta omissão nos atos de 8 de janeiro. Ambos
os casos já estão prontos para serem pautados. O processo envolvendo a cúpula
da PM-DF chegou a ser marcado para agosto no plenário virtual, mas foi
posteriormente retirado.
O
colegiado ainda poderá julgar, mais para o final do ano, a primeira ação penal
que envolve suspeita de desvios de emendas parlamentares. São réus os deputados
Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA), além do suplente Bosco Costa
(SE), todos do PL. Eles negam as acusações. Esse processo, relatado por Zanin,
está na fase de interrogatórios. É o mais avançado entre dezenas de inquéritos
envolvendo emendas, sob diferentes relatorias, que foram abertos no Supremo nos
últimos anos a pedido da PGR.
Impacto
político
Além
de julgamentos que ainda vão acontecer envolvendo congressistas, Dino tomou na
semana passada duas decisões com impactos políticos. Na quinta-feira, o
ministro abriu um novo inquérito contra Bolsonaro com base no relatório final
da CPI da Covid, que aponta omissões e condutas do ex-presidente durante a
pandemia. A medida reacendeu a tensão com aliados do ex-mandatário e foi
interpretada como um movimento de endurecimento por parte do magistrado.
Ex-ministro da Justiça do atual governo Lula, Dino é alvo frequente de críticas
da militância bolsonarista e do próprio ex-presidente.
No
dia anterior, Dino também avançou na discussão sobre a transparência das
emendas parlamentares ao preparar o julgamento do tema no plenário do STF. A
decisão veio após a aprovação, pela Câmara, da PEC da Blindagem, que estabelece
a necessidade de aval do Congresso para a abertura de processos criminais
contra parlamentares. Dino é o relator de uma série de ações que questionam o
mecanismo de repasse das verbas e, desde que herdou os processos, tem exigido
uma série de explicações e imposto medidas que parte do Congresso enxergar como
rígidas, o que tem gerado atritos com o Congresso.
A
avaliação de interlocutores do Supremo é que essas apurações devem ganhar ainda
mais força até o final do ano, à medida que as investigações avancem. Com isso,
Dino deve rivalizar em protagonismo com Moraes, consolidando-se como um dos
nomes com mais espaço na Corte em meio às discussões sobre os limites entre os
Poderes e a responsabilização de autoridades envolvidas em atos
antidemocráticos.
Em
outro tema que resvala na relação entre Judiciário e Legislativo,
interlocutores de Dino afirmam que ele buscou se distanciar da discussão sobre
a proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Segundo pessoas
próximas ao ministro, ele disse a deputados e senadores que o procuraram para
tratar do tema que não participaria de nenhuma articulação.
A
proposta, liderada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), agora
busca reduzir as penas sem conceder perdão total, tentando construir um texto
juridicamente viável e politicamente equilibrado. No Supremo, há resistência à
ideia de anistia ampla, considerada inconstitucional por uma ala expressiva de
ministros, mas há abertura para discutir propostas que tratem exclusivamente da
dosimetria, desde que respeitem os limites legais e não impliquem em
impunidade.
Novo
estilo
Integrantes
do STF veem uma possível mudança de estilo em relação a Zanin. Com um jeito
considerado político e despojado, afeito a comentários e intervenções durante
os julgamentos, Dino deverá imprimir sua marca na condução dos trabalhos da
Turma. Uma missão será buscar apaziguamento das tensões surgidas entre Moraes e
Fux durante a análise da ação que condenou Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de
prisão. Interlocutores do STF ouvidos pelo GLOBO contaram que Dino, por
exemplo, buscou conversar com Fux ainda durante a sessão que deixou explícitos
os pontos de vista diferentes, com o objetivo de acalmar os ânimos.
A
mudança na presidência da Primeira Turma é regimental e faz parte do ciclo de
rotatividade previsto no Supremo, em que cada colegiado é comandado por um
ministro diferente ao longo de um ano. Nos bastidores, a chegada de Dino ao
comando é vista como um reforço à dobradinha com Moraes. Os dois têm atuado em
sintonia em temas sensíveis, como as investigações sobre a tentativa de golpe e
o uso de emendas parlamentares.