Minha Figura

RÚSSIA CHAMANDO

2.2.18
Por Edson Vidigal

Tenho por hábito não atender a chamadas telefônicas estranhas aos meus contatos pessoais. Ou profissionais.

Uma vez chegando a Sidney, na Austrália, um frio de lascar, quase amanhecendo, foi abrir-se a porta do avião e o celular irromper escandaloso em algum bolso do casaco.

Era alguém cadastrado, um repórter de São Paulo. Confirmei a informação sobre o interesse do Banco Mundial na nova Lei de Falências em discussão no âmbito das Cortes judiciais.

Nesta semana, em manhã de caminhada pela orla litorânea desta Ilha do Amor, saquei do bolso o celular me indicando um número de 12 dígitos, estranhos para os meus registros.

Não atendi. Não se passaram três minutos, o telefone tocou novamente. Pronto para atender, vi que não era o meu amor. O número agora era outro, também com 12 dígitos.

Logo abaixo de cada um dos dois números, cada um com 12 dígitos, estava escrito a procedência da chamada – Rússia. O mínimo bastante para me deixar cabreiro.

Pensei no blog que nem sempre o atualizo diariamente, mantendo-o assim deserto de novos registros por dias seguidos. Por enfado ou por falta de novos assuntos.

Há ocasiões em que há mais acessos ao blog na Europa e Estados Unidos do que no Brasil. Imagino que sejam patrícios nossos, mas não são tantos os desterrados que eu conheça.

Parentes? Conto-os nos dedos de uma mão, até onde sei. Todos pelos colaterais da minha mãe. Mãe, vocês parecem advindos daquela tribo que perdida no deserto assumiu-se cigana.

Agora mesmo soube de uma sobrinha, jornalista, nascida em Barra do Corda, MA, que depois de trabalhar numa rede de TV, no Rio, foi aprimorar o inglês na Irlanda católica. Casou-se na Escandinávia. Ficando por lá, já arriou os pneus.

Preciso apenas de uma hora para completar o percurso de ida e volta entre o ponto zero e a escultura dos pescadores no fim, ou começo, da litorânea. Em marcha batida.

Mas agora essas duas chamadas da Rússia me atiçam a curiosidade de antigo repórter policial nos tempos em que o James Bond era o Sean Connery.

Moscou Contra 007 foi, em 1963, o segundo filme da série. Daniela Bianchi, atriz italiana, hoje com 76 anos de idade e 38 de carreira, é a bela agente soviética que Bond ajuda a fugir da Rússia para, na embaixada de seu País, em Londres, tentar recuperar uma maquininha de ler códigos.

Bond, o esperto agente sempre a serviço de Sua Majestade, cai na armadilha da Spectre, a terrível organização, que armou tudo, usando a louraça russa, para atraindo-o, executá-lo.

Como sói acontecer em todo filme com herói e bandido, o bandido sai perdendo e o herói, no mínimo, escapa.

Na chamada guerra fria, em que Estados Unidos, de um lado, representando as democracias e seus capitalismos, alguns ainda selvagens, predadores, diga-se de passagem, e do outro lado, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, lideradas pela Rússia, os lados peleavam querendo, cada um, mostrar à humanidade indecisa, ou ignorante, que soma a maior parte, as suas vantagens.

A vitória dos países aliados, incluindo Rússia, na segunda grande guerra, resultou na divisão da Alemanha, de modo a configurar a divisão do mundo em dois lados.

Com a Rússia retornando à sua catedral de promessas de um novo mundo com o comunismo libertador da miséria e da opressão dos povos, achando-se pronta para vencer, derrotando os seus antigos aliados contra o nazi-fascismo e a matriz capitalista encravada nos Estados Unidos, Winston Churchill definiu as novas fronteiras ideológicas no novo mapa do mundo -  Cortina de Ferro.

Foi preciso construir um muro em Berlim para impedir que os alemães, até então segregados pelo comunismo, pudessem optar pelo lado que quisessem. A queda do muro escancarou para o mundo com imprensa livre as fragilidades das promessas comunistas.

Wladimir Putin, um então jovem agente secreto da KGB, não chegou a ser em talento e ação um 007 ao nível de Bond. Mas é ele, nascido sob as graças de Boris Yeltsen, o lendário dissidente que garantiu com Gorbachev a queda do ancien regime, é ele, Putin, quem domina a Rússia há 14 anos.

Duas chamadas da Rússia no meu celular, aqui, em São Luís do Maranhão? Eu, hein?
 
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

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