
Ao João Mangabeira, então Deputado Federal,
só foi permitido escrever com caligrafia trêmula e palavras de forte indignação
uma carta curta, quase um bilhete, a João Neves da Fontoura.
O apartamento onde morava com a família no
Rio de Janeiro já tinha enfeites de Natal o que parecia retocar com requintes
de crueldade aquela cena – o velho Mangabeira, parlamentar combativo, no
exercício do mandato, sendo arrancado de casa por volta da meia noite pela
Policia do Estado Novo e levado para a prisão.
João Neves da Fontoura foi o incansável
advogado de João Mangabeira no implacável Tribunal de Segurança Nacional onde
restou condenado sob a acusação de crime politico, quer dizer, crime de fazer
oposição.
Outros mais em outros momentos e por
circunstancias diversas também amargaram a violência do poder da autoridade
porque não se alinharam entre os trombeteiros do amém.
Essa prisão do Senador líder do Governo foi a
primeira, sim, mas depois que a Constituição da República foi alterada para
acabar com a licença prévia necessária para o Supremo processar e julgar um
Deputado ou Senador, o que sempre acontecia em nome da imunidade parlamentar.
Imunidade até então era sinônimo de
impunidade. Não eram poucos os endinheirados com negócios suspeitos que
compravam mandato para se protegerem dos incômodos das investigações e
processos legais.
A Câmara ou Senado negavam a licença pedida
pelo Supremo e quando um dia o danado ficava sem mandato a pena a que seria condenado
já estava prescrita.
Pareciam não saber que a imunidade é uma
garantia da sociedade para que o Deputado ou Senador cumpra o seu dever de
fiscalização dos eventuais malfeitos no executivo, no judiciário e no próprio
legislativo, a salvo de vinditas, revanches, censuras, perseguições. Daí
inclusive a inviolabilidade por suas palavras, opiniões e votos.
Do mesmo modo, as garantias da vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos atribuídas aos juízes e
membros do Ministério Público não constituem patrimônio pessoal dessas
autoridades, mas da sociedade que necessita da independência de cada um no
cumprimento dos seus deveres legais.
Poucos pareciam não se lembrar que a regra da
imunidade parlamentar havia mudado e que desde então o Supremo Tribunal poderia
e pode instaurar o processo sem licença prévia e em caso de prisão como ocorreu
ontem com o Senador comunica-la ao Presidente da respectiva Casa do Congresso
para que a maioria dos seus membros confirme ou não a prisão.
O alvoroço de ontem foi por isso. Quase
ninguém se lembrava que a regra havia sido invertida. Como ainda não foi
com os Governadores, por exemplo.
O Superior Tribunal de Justiça continua
dependendo de licença prévia das respectivas Assembleias para que os
Governadores acusados de crime em tese possam ser processados.
Curioso é que os Ministros do Supremo, por
exemplo, podem ser processados em casos de crimes de responsabilidade pelos
Senadores.
Os acontecimentos de ontem só demonstraram
mais uma vez que as instituições democráticas do Brasil são a cada teste, cada
vez mais fortalecidas.
O que os Senadores e Deputados não podem é
continuar se comportando como adolescentes desnorteados que a cada
contrariedade entre eles correm ao Supremo pedindo socorro, o que muitas vezes
ofende o principio da separação dos Poderes.
Precisam entender e defender que as questões
“interna corporis” tem que ser resolvidas por eles, parlamentares, entre
eles, enfim. Nada de chamar o Judiciário para arbitrar.
E vamos em frente porque, como tuitou ontem
bem cedo o Senador Delcidio, amanhã tem mais.
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