Por Edson Vidigal
As
nuvens que estão ali agasalhadas numa quase baixa altura um pouco acima do sol
nascente devem ser as vencedoras de alguma olimpíada que a noite distraída
encomendou.
Vencedoras
da corrida e por isso, só por uma madrugada, amancebadas com o sol, as nuvens
agora se banham em raios dourados que refletem sobre as águas do lago realçando
o branco das garças, o verde das arvores e o cinza dos prédios ao longe em
derredor.
Isso
tudo e mais o enorme azul que se esparrama pelo céu denunciando os arquipélagos
das nuvens fracas, sem brilho.
Penso
no Eclesiastes 4/1 – "Depois, voltei-me e atentei para todas as opressões
que se fazem debaixo do sol; e eis que vi as lagrimas dos que foram oprimidos e
dos que não tem consolador, e a força estava do lado dos seus opressores; mas
eles os oprimidos, não tinham consolador."
É terrível
viver sob a opressão e não ter em quem confiar. Não que faltem profetas. Há
profusão deles. Não que a indiferença campeie sufocando os clamores nas cidades
e nos campos, inclusive os rumores das selvas seculares.
São
incontáveis os que se digladiam querendo a confiança dos oprimidos.
A
diferença, contudo, é enorme entre obter a confiança e se manter confiável para
vencer as refregas em favor dos oprimidos. A história dos que padecem de fome
de direitos e de sede de justiça tem páginas e mais páginas manchadas pelas
tintas da decepção popular.
Os que
não se desgarram da verdade tem dificuldades enormes para obterem a confiança
dos oprimidos, o que é compreensível porque as pessoas que sofrem a opressão
têm pressa, querem estar livres dos que lhes aperreiam o quanto antes.
Quem é
comprometido com a verdade não transige com a mentira. Sabe que concretamente
nada é possível de uma hora para a outra. As coisas devem ser feitas com
eficácia duradoura. Nada de arremedos.
O
líder de verdade não cede à ilusão das promessas miríficas, aliás, não cede a
ilusão nenhuma. Pode despertar esperanças? Sim. Afinal, agarrar-se a uma
esperança não é agarrar-se a uma ilusão.
A
mentira que move os falsos profetas, e eles são tantos e até incontáveis, é
pródiga nas miríades, convincente nas promessas inalcançáveis que eles inventam
e despertam. Compreensível que os oprimidos mais se inclinem em confiança aos
falsos profetas.
A
multidão condenada à opressão das desigualdades sociais, à tirania dos seus
direitos, à sonegação da sua dignidade, à cegueira da desinformação pela falta
total de instrução escolar, é presa fácil da demagogia, a qual nem existiria se
o seu oxigênio não fosse a mentira.
Demagogo
é o especialista em dizer às pessoas aquilo que elas estão exatamente querendo
ouvir. Não lhe interessa se o que diz é viável, se tem alguma aparência de
verdade ou se é descarada mentira. Interessa, sim, atrair a confiança da
multidão ou de uma só pessoa para depois então vitimá-la, lhe frustrando a
esperança não sem antes usufruir tudo nos dividendos que a eventual liderança
possa arrecadar.
Penso
no Eclesiastes – "depois me voltei e atentei para todas as opressões que
se fazem debaixo do sol". Os oprimidos nem sempre tem ao seu lado quem
verdadeiramente os represente e os console.
As
nuvens que amanheceram hoje agasalhadas sob o sol já se banharam com os raios
dourados e já flutuam no azul, vestidas de algodão. Amanhã serão outras.
Agora,
um fundo musical para David Bowie dando voz ao Major Tom em seu último contato
com a base ao perder o comando da astronave que pilotava - “o planeta terra é
azul. E não há nada que eu possa fazer”. (“Space Oddity”).
Edson Vidigal é advogado, foi
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal
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