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Rafaela Felicciano/Metrópoles |
O “Rancho do Tomaz” fica a 75 quilômetros do Palácio do Planalto. Quem chega pela entrada principal não tem noção de quanto o local é aprazível. Um portão de ferro e um muro de quase 3 metros de altura coberto de vegetação impedem olhares mais curiosos. Ao cruzá-lo, é como se surgisse um oásis no meio do cerrado. A terra batida do entorno dá lugar a gramados bem conservados, campo de futebol, piscina, quadra de tênis, gazebos, deque gourmet e um imponente píer. Uma garagem náutica guarda barcos, lancha e um jet ski. O luxo contrasta com o aspecto rústico do lugarejo que fica às margens de uma lagoa de águas mansas e transparentes. Mas não é somente isso que chama a atenção. De uns tempos para cá, o rancho passou a receber a visita de figurões, que, não raro, chegam de helicóptero para participar de animadas festas regadas a bebidas caras e boa comida, comemorações que contam com a presença de celebridades e reuniões petit comité em que são discutidas — e dizem até que decididas — questões importantes e sensíveis da República.
O dono da propriedade e anfitrião dos eventos é o brasiliense Willer Tomaz de Souza. É um desconhecido do grande público, mas um advogado de muito sucesso na capital do país. O escritório dele, um dos mais luxuosos da cidade, tem uma lista de clientes de fazer inveja às bancas mais tradicionais. Ele defende o presidente da Câmara, Arthur Lira, além de dezenas de deputados, senadores e governadores de Estado. Duas décadas atrás, Willer era dono de um pequeno comércio nos arredores de Brasília. O negócio ruiu, ele decidiu cursar direito, abriu um escritório e fez fortuna na mesma velocidade com que arregimentou amigos influentes na política e no Poder Judiciário. Recentemente, o advogado multiplicou seu prestígio em algumas áreas, diante de uma suposta proximidade que teria com a família do presidente Jair Bolsonaro, embora essa relação, por algum motivo, não possa ser tornada pública. Quem pergunta a respeito ouve como resposta que não existe nenhuma relação — o que não é exatamente verdadeiro. O máximo que ele admite é que conhece superficialmente o senador Flávio Bolsonaro.
“Conheço o Flávio assim como conheço inúmeros senadores. Não sou advogado dele, não tenho negócio com ele, não tenho nada com ele”, garante Willer Tomaz. Indagado sobre o mesmo assunto, o senador não respondeu. Um de seus auxiliares mais próximos confirmou que ele foi apresentado ao advogado há alguns meses. Ponto. Nada além disso. Não são amigos, não trocam ligações, não se frequentam. A imagem acima, porém, mostra que existe alguma coisa não muito bem ajustada na versão contada pelos dois. Na fotografia, o filho Zero Um do presidente da República registra o pôr do sol numa selfie tirada na beira da Lagoa Formosa, exatamente no píer da chácara do advogado que ele mal conhece. A foto foi postada numa rede social no dia 13 de fevereiro passado, um sábado. No município de Planaltina de Goiás, onde fica o Rancho do Tomaz, há quem jure já ter visto o próprio Jair Bolsonaro aparecer por lá. “Há uns três meses, o presidente desceu aqui num pequeno helicóptero preto”, diz o funcionário de uma pousada que fica a uma distância de aproximadamente 300 metros da propriedade. É uma cena bastante improvável.
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Cristiano Mariz/VEJA |
A lista de relacionamentos do advogado inclui juízes, desembargadores e até ministros de tribunais superiores. Em Brasília, essa confraria gera especulações, algumas lendas e muitos boatos. Dizem, só para citar episódios recentes, que o escritório e a chácara de Willer sediaram boa parte das articulações e conchavos que elegeram os atuais comandantes da Câmara e do Senado. Comenta-se que passa por lá a elaboração de listas de indicações de ministros para cortes superiores e desembargadores para os tribunais federais. Só depois de referendadas pelo advogado e seus amigos mais próximos é que essas indicações chegariam ao Palácio do Planalto — uma insinuação obviamente maldosa. O passado de Willer Tomaz certamente ajuda a explicar a gênese de muitas dessas intrigas.
O advogado já foi preso e acusado de corrupção. Para ele e para muitos de seus atuais clientes, o dia 17 de maio dificilmente será esquecido. Nessa data, há quatro anos, o Brasil sofreu um tremendo abalo ao serem divulgados os detalhes do acordo de colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da empresa JBS. Em troca de benefícios legais, eles confessaram ter pago 1 bilhão de reais em propina a deputados, senadores, governadores, prefeitos e também ao então presidente da República, Michel Temer. Nos dias que se seguiram, centenas de investigações foram instauradas, passou para a história a cena de um parlamentar correndo pela rua com uma mala contendo meio milhão de reais e um procurador da República foi preso sob a acusação de receber propina. Willer, segundo os delatores, teria sido o responsável pelo suborno ao integrante do Ministério Público.
No acordo de colaboração, assinado em 2017, os donos da JBS apresentaram 118 anexos, como são chamados os capítulos que resumem os segredos que o delator se compromete a revelar. Num deles, o de número 11, Joesley relatou que o procurador da República Ângelo Goulart Villela recebia dinheiro para vazar informações de interesse da empresa e influenciar nas decisões de um juiz federal. O suborno, repassado por Willer Tomaz, envolvia o pagamento de uma mesada de 50 000 reais e um bônus de 1,5 milhão de reais. O advogado é processado por corrupção ativa. Villela, também preso preventivamente, foi afastado do cargo e responde a processo por corrupção passiva. Um episódio dessa magnitude, por razões óbvias, é capaz de fulminar toda uma carreira. Além da ação criminal, o procurador está respondendo a processo administrativo, teve os vencimentos suspensos desde então e pode ser demitido, para o bem do serviço público. Já a de Willer, ao que parece, não sofreu maiores danos. “Hoje tenho mais de 240 parlamentares como clientes”, diz ele, ressaltando que vai provar sua inocência e mostrar que foi envolvido numa disputa de poder que havia no Ministério Público.
O advogado aposta numa reviravolta no caso a partir do que os próprios delatores disseram recentemente. No último dia 29, Joesley Batista foi ouvido como testemunha no processo administrativo contra o procurador Ângelo Villela. VEJA teve acesso ao trecho do depoimento em que o empresário, ao ser indagado se confirmava as acusações que fizera ao procurador e ao advogado, disse que tudo fez parte de um “statement” para chamar a atenção. “Eu criei um statement que um juiz, um procurador, 50 000, parece crível essa história, mas até então eu não fazia a menor ideia de quem era Ângelo e jamais autorizei o Willer Tomaz a falar em meu nome, de dar um centavo para o doutor Ângelo, nem 50 000, nem por cento, nem nada”, afirmou o empresário. Uma declaração não muito simples de compreender. Com base nessa declaração, a defesa do procurador acredita que o caso será encerrado. “Criação significa que não é verdade. É o que me basta. Não me importa entender em que contexto Joesley disse que era uma criação. Interessa que é uma mentira absurda que fez com que o Ângelo ficasse preso”, disse a VEJA o advogado Gustavo Badaró, defensor de Villela. “Isso mostra que a prova que o Ministério Público tinha contra mim era saliva”, completa Willer Tomaz.
Interlocutores
da JBS esclarecem que, ao contrário do que interpretaram os advogados
envolvidos na denúncia, Joesley Batista não voltou atrás, e sim confirmou o que
havia dito antes: ele pessoalmente não pagou propina a Ângelo Villela, o que
não quer dizer que o suborno não tenha ocorrido. O responsável pela contratação
dos serviços do procurador, segundo o empresário, era o próprio Willer Tomaz,
que recebeu 4 milhões de reais para usar sua experiência, sua influência e, já
naquela época, sua extraordinária rede de contatos para evitar que os processos
contra a empresa avançassem na Justiça. Daquela vez, não houve motivo para
festas.
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