Volta e meia um
agente público em cargo eletivo ou não aproveita e sempre que lhe é possível
solta a franga da arrogância querendo humilhar quem considera estar na pirâmide
social ou na hierarquia do poder alguns degraus mais abaixo.
Quando isso se dá
entre patrão e empregado ou entre autoridade superior e subordinado hierárquico
configura a ilicitude chamada assédio moral, que já desperta interesse entre
doutrinadores, legisladores e até juízes.
O assédio moral,
conduta abusiva capaz de impingir sofrimentos profundos à vítima, foi
identificado primeiramente na França na segunda metade do último século, mas
entre nós é um costume tão antigo quanto ainda atual.
Artur Azevedo
escreveu um conto ao qual intitulou “De cima para baixo”. A estória é do tempo
da monarquia, mas segue ainda tão atual porque o autoritarismo em si,
independentemente de regime politico, não se desprega facilmente da mente das
pessoas.
Nesse conto, o
nosso conterrâneo, tio avô do meu amigo e poeta Américo Azevedo Neto, desnuda
com percuciência e bom humor o cenário no qual certas coisas que ficamos
sabendo aqui embaixo decorrem do que antes desandou lá por cima.
Nada pior ao
exercício da função pública do que o mau humor da autoridade. Foi o que
acometeu o Ministro do Império que ao chegar ao seu gabinete a primeira coisa
que fez foi mandar chamar urgente o Secretário Geral.
Servidor público
de sua absoluta confiança, o Secretário Geral cometera um deslize que, no
despacho do Ministro, não passou despercebido às barbas do Imperador. Um
decreto de nomeação sem o nome de quem Sua Majestade iria nomear...
A reprimenda do
Ministro restou desproporcional, abusiva, fora de controle e com agravante que
ele não era o que, clinicamente, se classifica hoje como uma pessoa bipolar.
Não deu outra. O
Secretário Geral retornando a seu gabinete mandou chamar o chefe da seção. E
tome esporro. Em seguida, o chefe da seção mandou chamar o amanuense. Mais
esporros.
E na sequencia não
escapou ninguém. No fim, quando quase todos, do continuo ao servente, já haviam
provado e passado adiante o que restou da fúria do Ministro, sobrou para o cão
do servente.
Não havendo mais
em quem descontar a conta da fúria do Ministro, sua excelência o servente, nem
quis saber de que ao chegar em casa o seu cachorro lhe sorriu latindo. Reagiu à
saudação com tremendo pontapé no traseiro do seu mais fiel amigo.
Quando furamos o
sinal vermelho. Dirigimos em alta velocidade. Colamos na prova da escola. Não
nos qualificamos para o mercado de trabalho cada vez mais competitivo e, ainda
assim, queremos menos horas de trabalho e mais salários.
Quando, enfim, só
queremos levar vantagem em tudo, fazendo até acontecer o diabo para ganhar uma
eleição, quando insistimos na cegueira da intolerância, estamos, sim, a cada
dia desconstruindo o que ainda nos resta de cidadania.
A propósito,
ficaste sabendo do Juiz de Direito que deu carteirada na Luciana, a agente
policial da Operação Lei Seca no Rio de Janeiro?
Os fatos mereceram
olhar judicial diferente. O Juiz foi parado porque dirigia um carro sem placa.
E mais – não tinha documentos. E ainda mandou prender a moça, que acabou
algemada. E condenada no processo que o Juiz lhe moveu.
República e Estado
Democrático de Direito implicam em valores e princípios ainda bem distantes,
isto porque insistimos em reprimendas quando o alvo é outro.
Edson Vidigal,
advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça.
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