Minha Figura

Cardápio

27.6.14
Por Edson Vidigal, professor, advogado e ex-ministro do STJ

Pode parecer estranho, mas quanto maior a vontade mais eu idealizo o resultado. Algumas vezes até fantasio e logo pressinto a estrada suave, a jornada até mais leve. E vou em frente.

Tenho uma técnica para idealizar resultados. Primeiro, acho sempre que vai dar tudo certo e se não der não vou morrer. No durante das coisas vou agregando informações, histórias, cenários, lembranças e imaginando aquele final feliz que todos querem.

Quando sentei à mesa do restaurante, já no segundo dia sem o devido respeito ao horário do almoço, a noite quase chegando, nem havia tanto freguês, mas o senhor que chegou para me atender já parecia cansado. Esse coitado deve estar dobrando a jornada, imaginei.

Agora eu me achava aliviado das canseiras das ansiedades. Trânsito lento, engarrafado, elevadores que não aparecem, pessoas que marcam a hora e não chegam, outras mandam dizer que nem estão, burocracia e má vontade, ah meu Deus! 

Isso tudo como se essa cidade enorme, rodeada de morros esculturais, e de favelas nem tanto, tivesse virado ilha e saído mar adentro se desprendendo dessas dependências típicas da atual civilização. Sinal de celular? Nem pensar. A Vivo caiu, passou o dia sumida, sem sinal de vida, é Claro.

E falando em ilha, houve um tempo no Maranhão em que o roubo era tanto, mas tanto, que uma ilha se desprendeu e saiu deslizando pelo rio. Com direito a sair no “Fantástico”. Não se sabe até hoje se aquilo foi uma ação preventiva da natureza ou se a ilha estava sendo sequestrada.

Tem aquele ditado de que apressado come cru, mas eu não tinha pressa. Estava num estado lerdo entre a fome e o cansaço que chama o sono.

Estava lá nas sugestões do chefe – churrasco a Osvaldo Aranha. Não é só no Brasil que há esse costume de dar o nome de pessoas famosas a algumas fórmulas culinárias.

Uma vez na Guatemala me deparei com um “plato a la Bill Clinton”. Quis saber o que era, o garçon falou – un poco de tudo.

Menino em Caxias, conheci pessoalmente o Assis Chateaubriand, um senhor narigudo, baixinho. Anos depois, no Rio de Janeiro, me sugeriram um “filé a Chateaubriand”. Achei a bolota de carne um tanto dura, indigesta, não gostei.

Tem aquela do general que prendeu Sobral Pinto, o legendário advogado que invocou a lei de proteção dos animais em defesa do Prestes quando não se falava ainda em direitos humanos.

O General falou que o objetivo deles era implantar uma democracia à brasileira. Ao que o velho causídico retrucou dizendo ao general – a única coisa à brasileira que eu conheço é o “peru à brasileira”.

Agora me vem essa de churrasco a Osvaldo Aranha e eu me dano a fantasiar.

O Aranha era um cara brilhante. Sem ele o Getúlio não teria derrotado a República Velha ensejando ao Brasil um novo começo. Foi um grande articulador. Passou recursos para o Prestes mobilizar sua turma e traze-la para o movimento gaúcho. Alguém ficou e eles não vieram. Advogado brilhante, falava várias línguas. Foi chanceler, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, amigo de Rooselvelt, Ministro da Fazenda, um dos pais da criação do Estado de Israel, Vice Presidente na chapa do General Lott. Morreu pouco depois de iniciada a campanha, aos 65 anos. Jovem ainda para os dias de hoje.

Em meio a longa viagem admirando os feitos do Aranha pelo País, chamei um tinto gaúcho. O churrasco pousou em seguida. Ambos, churrasco e vinho, estavam uma lástima.

Depois me disseram que o certo mesmo é um filé a Osvaldo Aranha num restaurante na Lapa onde o próprio Aranha inventou o prato.

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