Por Edson Vidigal,
advogado, professor universitário e ex-ministro do STJ
Prefiro lembrar
que há anjos bons e anjos maus. Havia uma brincadeira na infância em que a
criança no começo de uma fila dizia como que batendo numa porta – tum, tum,
tum...
A criança que
fazia as vezes de porteiro indagava – quem é? A outra dizia – eu. Nova pergunta
– eu quem? E o batedor então se identificava – anjo bom.
Para saber se quem
batia àquela porta era mesmo um anjo bom e não um anjo mau era preciso uma
revelação, uma espécie de senha. A pergunta que se seguia então era – o que
trazes? A resposta – uma fita. Nova pergunta – que cor?
Se a cor era azul,
nenhuma dúvida. O anjo que batia à porta era um anjo bom. Podia entrar na
brincadeira e seguir confiadamente.
Hoje, entre nós
aqui ainda meio crianças e meio adultos, a brincadeira não mudou muito.
Continuamos
acreditando e admitindo no nosso mundo todos os que se dizem anjos do bem só
porque ostentam a fita azul.
Nem atentamos para
algumas advertências do Mestre como aquela – acautelai - vos dos falsos
profetas, aqueles que se mostram em peles de cordeiros, mas que por dentro são
lobos vorazes.
Realmente, não é
tão fácil estarmos a salvo deles. Como na abordagem se mostram mansos,
agradáveis, muitos até inspirando peninha, coitadinhos e a gente até se esbalda
querendo ajudar. Com o passar do tempo, ledo engano. Cordeirinho de Deus ou
Anjo do Bem que nada! Por dentro, no invisível, uns tremendos vigaristas.
Não vejo essas
coisas como maldição. Enquanto não chegar o último minuto do ultimo dia eles,
os anjos do mal, lobos vorazes em peles de mansos cordeiros, continuarão no
circuito até mesmo como forma justificadora da advertência do Mestre.
O que leva, por
exemplo, uma pessoa a pregar ética, a se investir em defensora intransigente
dos bons costumes, a estar sempre dedo em riste a apontar as mazelas dos
outros, a clamar por vingança da sociedade contra os que a envergonham e, de
repente, se ficar sabendo que aquelas teorias todas na prática não significavam
mais do que a convocação daquele lema do cinismo – faça o que eu digo, mas não
faça o que eu faço.
Conta-se que no
começo do mundo todos os anjos eram bons. Depois, um deles chamado Lúcifer se
acometeu de inveja quando o Criador lhe disse que a redenção do mundo não se
encarnaria nele, mas no Cristo.
Houve um cisma e o
Lúcifer ainda arrebanhou parte dos anjos com os quais montou o seu diretório
com o qual vem seduzindo incautos, frustrando bons propósitos, disseminando
maus exemplos, atrasando os avanços da humanidade, plantando maldades, enfim,
infernizando futuros e a vida de muita gente.
Aqueles anjos
decaídos da canção do nosso Baleiro, - Heavy Metal do Senhor / o cara mais
underground que eu conheço é o diabo... – são os anjos maus popularmente
conhecidos como demônios.
Os anjos bons são
os que realizam a obra do Senhor. Os que praticam os preceitos que pregam e não
habitam em si a contradição entre as aparências do bem e as eficácias do mal ao
mesmo tempo.
Nossa luta de todo
dia é para que a nossa carga de defeitos seja sempre mínima, imperceptível se
possível perante as nossas boas ações.
Assistir a uma
pessoa que até então nos convencia como anjo do bem, defensor intransigente da
ética, combatente sem tréguas contra a impunidade, ver essa pessoa revelada em
práticas completamente diferentes das coisas que nos fazia crer e até admirá-la
porque notável dentre as raras minorias ainda respeitáveis, e depois, como
agora, concluir que não era nada disso, meu Deus, por que nos impressionamos
tão facilmente e baixamos a guarda e nos mantemos assim sempre tão descuidados?
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