Minha Figura

O caso do petista que se encantou tardiamente com Maquiavel.

5.11.13
* Francinaldo Morais

Nos idos de 80, do século XX, iniciei aproximação ao Partido dos Trabalhadores de Caxias-MA. Lembro-me de pioneiros do PT no Maranhão. A candidata a governadora, por São Luís, Delta Martins, e o candidato a senador, por Caxias, Vicente Pereira, são dois exemplos de “sacrificados”, como se dizia, sobre os que dispunham seus nomes, conscientes das mínimas condições eleitorais, apenas no sentido da almejada  “construção partidária”.

Depois de “sacrificarem” seus nomes,  mas alcançarem significativas visibilidades interna e externa, a professora Delta e o camponês Vicente foram aos poucos sendo desprestigiados pela “corrente” petista hegemônica no Estado, conhecida como “PT de Aço”, que, por razões mais históricas que de qualificação política e cultural, segundo me afirmou certa vez Fernando Magalhães (STIU-MA), controlava o partido e a CUT nas suas origens no Maranhão.

No ano de 1985 foi criado o Grupo de Teatro Sombras-GTS,  depois de uma experiência da Secretaria de Cultura de Caxias-MA. que viabilizou cursos com Aldo Leite e Tácito Borralho (Reinaldo Faray não veio).  Como militantes da causa cultural no município os membros do GTS defendiam que cultura e política não podiam ser tratadas como fenômenos estanques, separados. Desta forma, a grande maioria dos  textos  escolhidos para encenações tinha  relação com os debates que se fazia nos partidos de esquerda. Uma explicação para esta “orientação” cultural esquerdista é o fato de que os membros do GTS mantinham relações com o PT, PCB e PDT. O meu caso era sui generis quanto a esta conduta,  pois mantinha estreitos contatos com petistas, pecebistas e pedetistas, além do envolvimento com a luta pelo Sindicato dos Comerciários.

A base cultural que a vivência do/no Sombras proporcionava aos seus membros permitia um olhar crítico sobre a realidade social, inclusive sobre os agentes políticos que organizavam e dirigiam os partidos de esquerda em Caxias e que,   acreditava-se,  deveriam governar a cidade.

No GTS lia-se muito e se debatia tudo. Autores como Ariano Suassuna (1927-), Lourdes Ramalho (1923-) e Plínio Marcos (1935-1999) eram algumas das influências teóricas dramáticas dominantes. Além das leituras dramáticas e de preparação técnica como Augusto Boal (1931-2009), Ruth Escobar (1936-2012) e Constantin Stanislavski (1863-1938), circulavam também  jornais e panfletos partidários.

Assim,  a cultura geral “sombreira” gerava tensão face a pouca ou quase nula preparação teórica dos quadros dirigentes de partidos como o PT. Tensão que buscava equilíbrio  entre a convicção da necessidade dos trabalhadores se autogovernarem e a suspeita instalada  da necessidade de preparação técnica para se dirigir uma cidade, ainda que do porte da Caxias da segunda metade de 80.

Era  angustiante para alguns “sombreiros” ouvir  as falas, os discursos; perceber o pensar ingênuo, vezes atoleimado, dos quadros dirigentes, presas fáceis de um(a) ou outro(a) “doutor(a)” que oportunamente resolvesse se aproximar do partido. É que predominava entre os “sombreiros” a paixão por uma  estética política, verificada nas reuniões partidárias petistas, que permitia uma discussão plural onde qualquer um exercia os poderes da voz e do voto. Analfabetos e escolarizados pareciam iguais.

Um caso particular de consciência ingênua dirigente é emblemático ao ponto de ter motivado esta reflexão. O principal dirigente petista da época, um trabalhador da construção civil, após participações  nos mais diversos cursos de formação sindical e política, no país e no exterior, desconhecia até bem pouco tempo as ideias expressas no clássico político O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527). É de se questionar: o dinheiro dos trabalhadores, investido na formação de “quadros” populares, tem se justificado?

Esse ex-dirigente defende hoje o que chama de “pragmatismo”,  pois afirma “não ter mais idade e saúde para sonhos” e que não ver problemas celebrar alianças com os opressores Coutinhos ou Marinhos. Pior, ainda, esse “pragmatismo” pode se firmar como  tendência  no PT de Caxias-MA.

Viajando no Estado, em um ônibus, o ex-dirigente petista lia O Príncipe, quando foi abordado por um ex-petista, professor universitário, que se sentou ao seu lado. Como estava fortemente envolvido com a “sua” leitura de Maquiavel, expressou ao professor o seu encantamento tardio com as ideias do florentino: __ Tudo o que está escrito aqui é a pura verdade. O que fizemos e acreditamos naquele tempo em Caxias era ilusão.

Algumas vezes expressei junto a um pequeno círculo de amigos a minha desconfiança quanto ao que considerava uma “militância cega”, ingênua,  de dirigentes do PT, dos idos de 80, em Caxias-MA. Aquela sinceridade me gerou desconfortos, inclusive com um ou dois amigos mais próximos que me criticaram de “elitista”. Após ouvir recentemente o relato do professor, companheiro de viagem do ex-dirigente petista local, não pude deixar de pensar que eu estava certo naquela época.

(Este texto objetiva contribuir com as reflexões que estão sendo feitas no PT-Caxias, relacionadas ao PED 2013 que culminará no dia 10.11.2013).

* Professor de História, membro do IHGC e acadêmico de Direito.

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